MÉTODO APAC: A EDUCAÇÃO COMO CAMINHO PARA A RESTAURAÇÃO DA PESSOA NO SISTEMA PRISIONAL

Horácio Wanderlei Rodrigues

Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande do Sul.

horaciowr@gmail.com

Gilmar Siqueira

Universidade Federal do Pará (UFPA), Pará.

gilmarsiqueira126@gmail.com

Amerita de Lázara Menegucci Geronimo

Resumo: O propósito deste artigo é abordar a alternativa oferecida pelo método APAC ao sistema prisional atual. Esse método humanista trata de recuperar os presos pela valorização da dignidade humana. Para que consiga realizar os seus objetivos humanistas, o método APAC precisa da educação enquanto meio de autoconsciência e maturidade da pessoa. A denominada pedagogia da presença, aplicada pelo método ao preso desde seu ingresso na APAC, ensina o preso a tratar o seu próximo como pessoa digna enquanto ele mesmo assim é tratado. A educação, no método APAC, estimula a maturidade tendo em vista as virtudes. Por fim, se analisa, de forma breve, como as inovações tecnológicas na educação dentro do sistema prisional – e da APAC – podem auxiliar na recuperação dos presos. A pesquisa realizada foi qualitativa, de base bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Direito Penal. Ressocialização. Método APAC. Educação. Tecnologia.

APAC method: education as a form to the restoration of the person in the prison system

Abstract: The purpose of this article is to address the alternative offered by the APAC method to the current prison system. This humanist method seeks to recover prisoners by valuing human dignity. In order to achieve its humanistic purposes, the APAC method needs education as a means of self-awareness and maturity of the person. The called pedagogy of presence, applied by the method to the prisoner since his joining in APAC, teaches the prisoner to treat his neighbor as a dignified person while he is alike treated. Education, in the APAC method, encourages maturity in view of the virtues. Finally, a brief analysis is made of how technological innovations in education within the prison system - and APAC - can assist in the recovery of prisoners. The research carried out was qualitative, based on bibliography and documents.

Keywords: Penal Law. Resocialization. APAC Method. Education. Technology.

Introdução

O objetivo do método APAC é preparar as pessoas que cumprem uma condenação penal para o reingresso no seio da sociedade uma vez findo o cumprimento da pena. Essa ressocialização do condenado – que, no método APAC, passa a ser um recuperando – é vista como consequência de uma abordagem e um tratamento mais profundamente humano, isto é, através da consciência que a pessoa adquire da responsabilidade de seus atos e a necessidade de assumir essa responsabilidade.

O método APAC oferece, portanto, uma alternativa autenticamente humanista ao sistema prisional atual. Esse método, aplicado há mais de quarenta anos no Brasil, mostra como o reconhecimento e respeito da dignidade humana – por meio da justiça e da tolerância – é a condição primordial para a reparação do erro cometido (cumprimento da pena) e para o arrependimento que tende à esperança. O sistema prisional atual, por outro lado, impossibilita a recuperação e o arrependimento.

Para que ocorra o cumprimento da pena e consequente recuperação do preso pelo viés humanista, a educação tem papel essencial. Por meio de sua pedagogia da presença, o método APAC trata os presos – chamados recuperandos desde que ingressam – pessoalmente e conhecendo suas histórias de vida. Assim, quando tratados pessoalmente, os recuperandos aprendem a tratar os outros da mesma forma. A educação no método APAC, que estimula as virtudes e a maturidade, tende a fazer com que os recuperandos tenham autoconsciência e saibam narrar as próprias biografias.

O objetivo deste artigo é apresentar a alternativa oferecida pelo método APAC ao sistema prisional atual. Ao final, de forma complementar, inclui uma breve análise de como a utilização das inovações tecnológicas na educação, dentro do sistema prisional – e da APAC –, podem auxiliar na recuperação dos presos. É necessário analisar se a inovação pode contribuir na recuperação ou se, de algum modo, tolheria a pedagogia da presença. A pesquisa realizada foi qualitativa, de base bibliográfica e documental.

1. Sistema prisional e recuperação da pessoa presa: a alternativa oferecida pelo método APAC

O sistema prisional tem por objetivos cumprir a sentença ou decisão criminal, conforme o artigo 1º da Lei de Execução Penal (LEP), e oferecer condições para que o condenado ou internado possa se reinserir na sociedade. Tais objetivos deveriam ocorrer no mesmo momento, isto é, o cumprimento da pena devia servir para que o condenado tomasse consciência das próprias ações enquanto tivesse possibilidades de se reinserir na vida social. Por essa razão a LEP dispõe acerca da assistência aos internados e presos como dever do Estado:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III - jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa.

O artigo 10 da LEP dá a entender que a prevenção ao crime pode – ou poderia, como se verá – acontecer dentro do próprio sistema prisional: com isso se quer dizer que, durante o cumprimento da pena, as medidas de recuperação devem tender ao repúdio da vida do crime. Conquanto este seja o discurso e até mesmo a imposição legislativa, não é o que ocorre na prática.

Em decorrência da superlotação nos presídios, de mentalidades que negam a responsabilidade pessoal ao ponto de que o criminoso seja taxado de vítima da sociedade (num extremo) ou de pária (noutro extremo), e da violação dos direitos dos presos, a ideia de ressocialização no sistema prisional atual acaba por ser bastante complicada. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no RE n.º 580.252/MS fixado, para o tema 365 da repercussão geral se manifestou no seguinte sentido:

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. (BRASIL, 2017).

Tais padrões mínimos de humanidade mencionados pelo STF consistem tanto no resguardo dos direitos humanos das pessoas presas quanto – por via de consequência – na possibilidade de ressocialização que deveria ser oferecida a todos os presos. No entanto, uma vez que até mesmo os direitos humanos são violados, falar em recuperação passa a ser algo mais complicado. Por essa razão Mário Ottoboni (2004, p. 96) comenta que:

O objetivo da reclusão é recuperar, especialmente quando se sabe que as despesas de manutenção do preso pesam nos cofres públicos, e predomina a certeza de que ele voltará ao convívio da sociedade pior do que quando iniciou o cumprimento da pena.

Trata-se de uma fraude social não cuidar da socialização da pessoa que errou e que, por isso, foi privada da liberdade. É um embuste contra a sociedade ludibriada com o elevado índice de reincidência e com o crime organizado nos presídios, atemorizando a própria polícia.

As ideias de punição e recuperação, ainda que soem antagônicas, deveriam ser complementares e – mais que isso – necessárias uma à outra. A punição relaciona-se diretamente à justiça no sentido de que o criminoso precisa, na medida do possível, reparar o dano cometido. Mas justiça sem tolerância pode acabar em rigor excessivo. Por essa razão a tolerância, que abrange a pena e faz com que ela tenha por objetivo a recuperação, também é imprescindível dentro de qualquer sistema prisional. Semelhante lição foi dada por Miguel de Cervantes (2005, p. 1192) nos conselhos de Dom Quijote a Sancho Panza para o bom governo da ilha Barataria:

Al que has de castigar con obras no trates mal con palabras, pues le basta al desdichado la pena del suplicio, sin la añadidura de las malas razones. Al culpado que cayere debajo de tu jurisdición considérale hombre miserable, sujeto a las condiciones de la depravada naturaleza nuestra, y en todo cuanto fuere de tu parte, sin hacer agravio a la contraria, muéstratele piadoso y clemente, porque, aunque los atributos de Dios todos son iguales, más resplandece y campea a nuestro ver el de la misericordia que el de la justicia.[1]

A tolerância se destaca e resplandece mais porque, antes de anular a justiça, permite que ela seja mais bem cumprida. Um sistema prisional incapaz de preservar a dignidade dos presos tampouco pode realizar as virtudes da justiça e da tolerância. A partir desse quadro e tomando como princípios as virtudes da tolerância de da justiça foi que nasceu o método APAC. Este método tem por objetivo a melhor aplicação da Lei de Execução Penal:

Se observarmos os doze pilares do Método APAC [...] veremos que todos eles se baseiam na Lei de Execução Penal, e foram pensados em benefício do recuperando e da sociedade, que receberá esse detento transformado. (D’AGOSTINI; RECKZIEGEL, 2016, p.28).

A sigla APAC significa Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. A APAC consiste em um sistema humanizado de cumprimento de pena que se realiza por meio de um método, cuja base está em seus doze fundamentos, quais sejam:

1. A participação da Comunidade;

2. O recuperando ajudando o recuperando[2];

3. O trabalho;

4. Assistência Jurídica;

5. Assistência à saúde;

6. O voluntário e o curso para sua formação;

7. Valorização Humana;

8. Espiritualidade;

9. Jornada de Libertação com Cristo;

10. Mérito;

11. Centro de Reintegração Social – CRS;

12. A família.

Tais fundamentos, mais abrangentes do que seus meros enunciados parecem indicar, são aplicados concomitantemente em todo o processo de recuperação levado a cabo pelo método APAC: seu objeto é recuperar a pessoa em todas as suas dimensões, promover uma restauração humana nos condenados (nos recuperandos). Se uma pessoa não tem sequer consciência do erro cometido e de sua responsabilidade por ele, estará propensa ao ressentimento:

Una injusticia no reparada es una cosa inmortal. Provoca naturalmente en el hombre el deseo de venganza, para restablecer el roto equilibrio; o bien la propensión a responder con otra injusticia; propensión que puede llegar hasta la perversidad, a través del afecto a que llaman hoy resentimiento.[3] (CASTELLANI, 1978, p. 349).

O ressentimento nasce de uma injustiça, real ou imaginada, ocorrida na vida da pessoa. Se alguém está preso e o sistema prisional por inteiro, ao invés de estimular sua recuperação pelo arrependimento e pelo conhecimento da própria história de vida, viola os direitos mais básicos das pessoas e chega até mesmo a atuar como uma “universidade do crime” (FERREIRA, 2017, p. 23; PEREIRA, 2006, p.189), então essa pessoa pensará em si mesma apenas como vítima e nunca como algoz. A amargura fará com que ela se feche ainda mais dentro da própria ferida. A punição é necessária, mas precisa ter por fundamento a recuperação. Por isso o método APAC almeja:

[...] punir, mas com total respeito à dignidade, para, sobretudo, restaurar o ser humano. Promover a valorização humana, e não a desvalorização. É preciso que o condenado pague pelo que fez. Que tenha a consciência do erro, de sua consequência e da responsabilidade para com a sociedade. Mas é preciso também que tenha sua autoestima devolvida, que tenha referências positivas, baseadas em valores sólidos e fraternos, de modo que deixe de enxergar na criminalidade sua única e inevitável possibilidade de existência. (CARVALHO, 2016, p. 14).

A autêntica punição, portanto, só pode ocorrer dentro de um contexto de dignidade humana. “Com efeito, a dignidade, em si, não é um direito, mas um atributo intrínseco a todo ser humano” (POZZOLI; SCARMANHÃ; CACHICHI, 2019, p. 166). A dignidade tem status ontológico na pessoa; só uma pessoa digna pode cometer um crime (falhar) e, no mesmo sentido, só uma pessoa digna pode se arrepender do seu erro e recomeçar. Não se pode falar em punição (e consequente recuperação) quando se deixa de lado a dignidade humana.

[...] en el fondo se trata de tener conciencia de la dignidad objetiva de la persona humana, de que el hombre no puede ser tratado al arbitrio del poder y de la sociedad, porque es objetivamente un ser digno y exigente, portador de unos derechos en virtud de su dignidad, reconocidos, pero no otorgados por la sociedad.[4] (HERVADA, 1993, p. 655).

Ao ter por corolário a dignidade humana do próprio preso – recuperando – o método APAC faz com que, por esse caminho, o recuperando possa mais adiante estar consciente tanto da própria dignidade quanto da alheia. Sua vítima, que antes poderia ser uma pessoa sem rosto, passa a ser considerada pelo recuperando como alguém tão digna e merecedora de respeito quanto ele mesmo. Nesse sentido, Rogério Cangussu Dantas Cachichi (2019, p. 64) ressalta que:

Estando a crença íntima de que os direitos dos outros devem ser respeitados deve estar incutida no recôndito do recuperando, quando ele estiver fora da APAC, aflorará dele um autocontrole interno (íntimo) a reprimir aqueles comportamentos que dantes o levaram à prisão e a estimular outros, virtuosos, de cultivo à alteridade, de respeito à família, à comunidade local da qual faz o egresso parte e à sociedade em geral.

O Método APAC mostra ainda aos presos – recuperandos – que são seres humanos como os demais e que, por essa razão, também são dignos de perdão e podem ter uma segunda ou terceira chance. Em linhas gerais, o Método APAC não visa acabar com o crime e nem, muito menos, criar um tipo de sociedade utópica e, de certa forma, autoritária onde não existe criminalidade e as pessoas são brutalmente vigiadas pelo Estado ou outro organismo burocrático. Trata-se de um método de inserção de apenados no convívio social. Um método que leva em consideração os limites do gênero humano e as possibilidades de restauração do humano.

Essas possibilidades de restauração podem aparecer na vida de todas as pessoas – dentro e fora do sistema prisional – porque a vida humana não está dada nem pronta. A narrativa da vida humana precisa ser construída sempre a partir da autorreferência; e o sofrimento é um meio para que essa autorreferência aconteça. Não raro a consciência da dignidade aparece com mais força para a pessoa durante um intenso período de sofrimento. Leonardo Castellani (1997, p. 20) comenta que:

Si el alma no fuera más que bajeza, ni siquiera se daría cuenta de la bajeza; mas si se da cuenta, evidentemente hay en ella una alteza. Esta alteza está invisible en ‘Las Memorias del Subterráneo’; pero ella es la que produce todas las memorias del subterráneo. Una nobleza terriblemente lastimada y herida resuella allí por la herida.[5]

O autor se refere à novela de Dostoiévski (2009, p. 6), na qual o personagem começa por confessar: “Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável.”. Essa confissão, conquanto bastante triste, é também um apelo: aquele que se dá conta da própria miséria e a lamenta, não está feliz. Quem chega a tal extremo abomina a própria miséria e quer se livrar dela: pela melhora ou pela autodestruição. Dentro de um contexto de grande sofrimento, o método APAC tenta mostrar que a melhora é possível e pode ser esperada.

Sobre essa crença foram pensados os doze fundamentos do método. No próximo tópico deste artigo, será analisada a maneira como a educação pode ser associada ao método APAC como princípio do despertar da consciência da dignidade nos recuperandos.

2. Método APAC: educação para a maturidade da pessoa no cumprimento da pena

No já citado artigo 11 da Lei de Execução Penal, mais precisamente em seu inciso IV, é dito que uma das assistências que o Estado tem por dever prestar aos presos e internados é a educação. Na seção IV, que trata da assistência educacional, está o artigo 17, segundo o qual “A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”. Tais dispositivos estão em consonância com a Constituição Federal brasileira de 1988, pois:

Além do direito social à educação, a Constituição da República, promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe, em seu Capítulo III, em parte destinada à ordem social, Título VIII, os mandamentos essenciais que devem ser seguidos pelo sistema educacional brasileiro. Compreendido nos dispositivos de 205 a 214, o referido capítulo traz, de início, em seu primeiro artigo, a afirmativa de que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, a qual deve ser promovida e incentivada com o auxílio da sociedade, objetivando o desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o labor. (RAZABONI JÚNIOR; LEÃO JÚNIOR; SANCHES, 2018, p. 143).

Esse desenvolvimento da pessoa humana engloba tanto o preparo para o exercício da cidadania quanto a qualificação profissional. Os últimos dois elementos são como que complementares ao desenvolvimento da pessoa, pois tal desenvolvimento se dá primeiro e por meio da educação. No contexto do cumprimento de pena e recuperação, também o desenvolvimento da pessoa é de suma importância. Um dos meios que possibilitam a melhora humana é o trabalho; mas, como explicaram Ottoboni e Ferreira (2016, p. 72), o trabalho por si só não é suficiente:

A APAC entende que o trabalho é importante e deve fazer parte do contexto, mas isoladamente não resolve o problema. Se assim o fosse, os países e alguns Estados do Brasil que adotam as prisões privadas já teriam resolvido o problema dos altos índices de reincidência. Neste sentido, a APAC reconhece o valor do trabalho, mas não pode ser o único instrumento aplicado para a recuperação do ser humano.

O trabalho entendido como mero adestramento profissional não basta, pois, um trabalho assim estimulado não contribui de modo algum ao desenvolvimento da pessoa. Ele seria, na verdade, mera reprodução de comportamentos exteriores. O trabalho é meio para a vida humana e não seu fim. Josef Pieper (1990, p. 21) alerta que:

It is a fiction to declare work, the production of useful things, to be meaningful in itself. Such fiction leads to the exact opposite of what it seems to accomplish. It brings about the exact opposite of ‘liberation’, ‘elevation’, or ‘rehabilitation’ for the worker. It brings about precisely that inhuman dimension so typical of the world of absolute work: it accomplishes the final bondage of man within the process of work, it explicitly makes everybody a proletarian.[6]

Um dos sintomas, dentro do sistema prisional atual, dessa falsa concepção do trabalho e da impossibilidade de recuperação dos presos, é o modo como são tratados os recém-ingressados no sistema comum: apenas como números e não como pessoas.

Quando o sentenciado é recolhido no sistema comum, a primeira coisa que ele perde é o nome e, em sequência, recebe um número de matrícula ou INFOPEN – Sistema de Informações Penitenciárias. A exemplo do que ocorria durante a Segunda Guerra Mundial, nos campos de concentração nazista, o preso não mais será chamado pelo nome, perdendo assim sua identidade. (FERREIRA, 2017, p. 189)

Para combater a despersonalização no sistema prisional, a APAC trata cada um de seus recuperandos pelo nome e faz com que todos os voluntários e colaboradores do método conheçam os recuperandos e suas histórias de vida. A pessoa é respeitada e tratada justamente como pessoa. Assim se desenvolveu, dentro do método APAC, a chamada pedagogia da presença.

Importante destacar como a terapia da realidade e pedagogia da presença se conectam com o empoderamento do recuperando a fim de lhe reforçar a autoestima e, portanto, concretizam o postulado da valorização humana. Por intermédio da pedagogia da presença e da terapia da realidade, o recuperando passa a ter consciência, presença de suas necessidades, de seus valores, assume o controle de sua vida e, portanto, passa a se autovalorizar. (CACHICHI, 2019, p. 211).

A pedagogia da presença, conquanto não esteja listada entre os doze fundamentos do método APAC, permeia todos eles. O trabalho por si só não é capaz de recuperar a pessoa. E a prisão por si só tampouco. Por isso a educação na APAC – por meio da pedagogia da presença – estimula a autoconsciência e a possibilidade dos recuperandos contarem suas próprias histórias e terem, em muitos casos pela primeira vez, consciência das próprias vidas. Da mesma forma que ocorre com o trabalho, a educação no método APAC engloba e transcende a mera (ainda que importante) instrução. A vida humana é dramática e, portanto, precisa ser contada a fim de que seja compreendida.

El método adecuado puede ser abandonarse al dramatismo de la vida, tal como es efectivamente vivida, sin superponer a ella un esquema ajeno, que no surja de ella misma. Tiene que ser un método narrativo, que reconstruya la fluencia de la vida, sus conexiones reales, sus formas de fundamentación y justificación. La forma efectiva de la vida en su acontecer tiene que reflejarse en su teoría, traducirse así en términos conceptuales.[7] (MARÍAS, 1997, p. 65, destaques do autor).

Essa teoria da vida é sua vivência mesma compreendida e narrada pela própria pessoa. Cada pessoa é protagonista da própria história de vida, mas, para ter total consciência disso, é necessário que aprenda a contar sua própria história. Tal narrativa acontece especialmente à medida que a pessoa se dá conta e interpreta aquilo que Julián Marías (1997, p. 64) chamou de “experiências radicais”, que segundo o filósofo espanhol “determinam quem somos” (destaques do autor).

O método APAC percebeu isso desde o início: para que alguém tenha a possibilidade de se arrepender e a esperança de recomeçar, precisa antes ter um tratamento pessoal e aprender, na mesma medida, a tratar os outros como pessoas. Em seguida, por meio do contato com outras histórias de vida, aprenderá a narrar também a sua. A denominada terapia da realidade é consequência direta da pedagogia da presença.

O que se objetiva com as reuniões de cela e as palestras que se sucedem a essas reuniões é fundamentalmente expor o recuperando à terapia da realidade e contribuir para que haja uma mudança de mentalidade, além de permitir ao recuperando a exposição de suas ideias, anseios, medos, sonhos, projetos de vida, etc. Consequentemente encontrar caminhos para uma boa harmonia e para uma convivência saudável com os demais recuperandos. (FERREIRA, 2017, p. 49).

Ao ouvir o seu próximo, o recuperando o entende como pessoa semelhante e, ainda, adquire os meios narrativos para contar a própria história. Ele ouve as palavras e, graças a elas, têm acesso à realidade – à sua própria realidade. Por isso Antonio Caponnetto (1981, p. 49-50) enfatizou tanto a importância da palavra.

Negar la primacía y el valor de la palabra es renunciar a la dignidad de persona, al rango ontológico distintivo; y es impedir que el hombre realice el único acto que lo analoga con Dios, porque la creación divina – esto lo ha enseñado Platón para siempre – encuentra su semejanza más acabada en el arte de la definición.[8]

A palavra é a expressão da pessoa. A pedagogia da presença tem no recuperando o seu centro e objetivo, de modo que ela só surtirá efeito caso produza no recuperando uma mudança interior, isto é, caso possa despertar sua consciência. Tal despertar de consciência acontecerá quando o recuperando for capaz de narrar a própria história – de dizer a si mesmo. A pedagogia da presença supõe o outro e sua relação pessoal: por meio do seu próximo a pessoa poderá amadurecer, ao contrário do que acontece nos grandes presídios.

Vale abrir um parêntese para explicar um pouco desse ‘tratamento individualizado’, que tem chances de se desenvolver somente em unidades menores na qual a pedagogia da presença (e não do medo) possa ser aplicada. Nos grandes presídios o estímulo de comportamentos adequados dá-se pelo medo, isto é, pela punição em caso de violação dos regulamentos e normas do presídio. Diferentemente dessa ‘pedagogia do medo’ largamente utilizada no sistema tradicional, outra forma de estimular bons comportamentos é a ‘pedagogia da presença’. Sobre o assunto, Ferreira (2017) bem explica que a pedagogia da presença pressupõe, em primeiro lugar, um tratamento individualizado de cada recuperando, que é chamado sempre pelo nome, nunca por um apelido ou número. O elemento central está no conhecimento por parte do responsável direto pela execução penal, aquele que de fato tem contato com o recuperando, da história de vida e dos problemas individuais, familiares e sociais de cada um deles [...]. (POZZOLI; SCARMANHÃ; CACHICHI, 2019, p.172).

Os recuperandos do método APAC, ao terem contato com as histórias de vida dos seus próximos e serem tratados individualmente – como pessoas dignas – têm a possibilidade de assim também conseguirem contar as suas próprias histórias. O tratamento individualizado e próximo é um dos grandes diferenciais oferecidos pelo método APAC.

3. Inovações tecnológicas no âmbito educacional e suas possíveis influências no método APAC

A própria Lei de Execução Penal prevê a assistência educacional como um dos elementos importantes na ressocialização do preso. A superlotação dos presídios, no entanto, faz com que também essa assistência tenha certas dificuldades de ser prestada. Como se viu no tópico anterior deste trabalho, o tratamento individualizado oferecido pelo método APAC – por meio de sua pedagogia da presença – possibilita também que os recuperandos tenham um acesso mais personalizado à educação.

As atuais circunstâncias exigem ainda uma outra reflexão sobre a educação no sistema prisional de um modo geral e, especificamente, no método APAC: sua relação com a tecnologia. A própria Lei de Execução Penal, em seu artigo 18, parágrafo 3º, dispõe:

A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas.

Esse comando legislativo é bastante importante e, no presente contexto, necessário. A educação à distância e as novas tecnologias podem auxiliar imensamente os presos do sistema prisional atual e os recuperandos do método APAC. Mas, como advertiram Sergio Leandro Carmo Dobarro e Raquel Cristina Ferraroni Sanches (2016, p. 23):

A tecnologia, o conhecimento científico e a informação não são o bastante para aperfeiçoar o ser humano. É necessário desenvolver inovação na educação, de forma que enfrente o mundo complexo e incentive além da pesquisa, e que almeje o conhecimento novo, igualmente uma sabedoria prática para se vivenciar a vida pessoal e coletiva em tempos tão sombrios.

A pedagogia da presença, especificamente dentro do método APAC, supõe a presença e o contato humano. Isso não pode ser mudado, especialmente porque a falta de presença humana e próxima é o que caracteriza a terrível situação do sistema prisional atual. Ademais, as inovações tecnológicas estão em todos os lugares e, com elas, o ser humano pode tender a perceber como naturais elementos que na verdade custaram um grande trabalho até que puderam ser desenvolvidos. Julián Marías (1947, p. 42) já no século passado atentava para o fato de que:

La técnica aparece al hombre de nuestros días como un horizonte de posibilidades ilimitadas; en principio, nada queda excluido; nadie se atrevería a decir con mucha seguridad que es imposible la más estupenda hazaña técnica que se enuncie. El hombre de mediados del siglo XX está en la creencia de que el alcance de la técnica es indefinido e imprevisible; es decir, que con la técnica lo puede «todo», pero con lo que no puede es con la técnica[9]. (Destaques do autor).

O aspecto de imprevisibilidade está presente na vida humana. Contudo, é necessário aqui tomar as inovações tecnológicas mais especificamente no âmbito da educação. Conquanto haja ainda nos dias de hoje essa imprevisibilidade e até mesmo indefinição de que trata Julián Marías, é importante notar que a tecnologia pode beneficiar o ser humano no seu desenvolvimento e no contato com o mundo.

O que a tecnologia traz hoje é integração de todos os espaços e tempos. O ensinar e aprender acontece numa interligação simbiótica, profunda, constante entre o que chamamos mundo físico e mundo digital. Não são dois mundos ou espaços, mas um espaço estendido, uma sala de aula ampliada, que se mescla, hibridiza constantemente. Por isso a educação formal é cada vez mais blended, misturada, híbrida, porque não acontece só no espaço físico da sala de aula, mas nos múltiplos espaços do cotidiano, que incluem os digitais. O professor precisa seguir comunicando-se face a face com os alunos, mas também digitalmente, com as tecnologias móveis, equilibrando a interação com todos e com cada um. (MORÁN, 2015, p. 16, destaque do autor).

Dentro de um contexto de cumprimento de pena em que a ressocialização é fundamental – para a própria pessoa e para a comunidade – as inovações tecnológicas trazidas para a educação podem contribuir especialmente na formação profissional das pessoas que cumprem pena: mesmo em cursos à distância, o possível contato dos alunos com os professores e instrutores, e a participação ativa exigida aos alunos estimulam o desenvolvimento e integração humanos.

A mera instrução profissional, no entanto, não pode ser o único objetivo da assistência educacional às pessoas presas. Conforme se tem visto neste artigo, o método APAC aplica a denominada pedagogia da presença para os seus recuperandos.

À primeira vista, pode-se deduzir que as inovações tecnológicas – educação à distância, inclusive – acabarão por afastar ainda mais os recuperandos das outras pessoas: de seus próximos e até mesmo dos professores. Dentro do método APAC, no entanto, isso não poderia acontecer: a pedagogia da presença permeia todos os fundamentos do método, de tal modo que a educação humanista promovida pela APAC ultrapassa a mera instrução.

Se as inovações tecnológicas de fato permitirem o avanço de metodologias de ensino mais ativas, os recuperandos da APAC estarão aptos a recebê-las com maior abertura e possibilidade de desenvolvimento. Em algumas APACs, entidades educacionais prestam serviços gratuitamente, inclusive via EAD, mediante convênio, o que encontra respaldo legal no art. 20 da LEP e art. 8º do Regulamento Administrativo. (CACHICHI, 2019, p. 190).

As inovações tecnológicas, portanto, precisam acontecer de modo a estimular e até mesmo facilitar o contato humano: “As inovações devem se concentrar no desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, como a competência, da ética, da política, do profissionalismo vinculado à cidadania e do desenvolvimento pessoal”. (SANCHES; CALIL; SILVA, 2019, p. 1901).

O desenvolvimento pessoal deve ser para a liberdade, isto é, a liberdade interior que permite com que a pessoa conte sua própria história. A vida humana, é necessário reiterar, precisa ser narrada. E a imaginação tem papel primordial nessa narrativa:

Las posibilidades se han aumentado enormemente; se ve cada vez con mayor claridad que el hombre es plástico, que no es una cosa, que no está hecho. La filosofía actual está acabando con el lastre de materialismo que la ha dominado – también y desde luego a los ‘espiritualismos’ – y por eso empieza a hacerse posible una comprensión filosófica del cristianismo. El hombre es persona – se ha repetido desde hace siglos –; pero acaso sólo hoy se empieza a ver en serio qué es persona. Y la vida actual, tan fuertemente constreñida por el Estado, y por otros poderes, está por dentro en franquía. Pero para vivir hoy humanamente – y esto quiere decir auténtica y originariamente –, hace falta mucha imaginación; y está apareciendo, venenoso y torvo, el resentimiento de los que no la tienen[10]. (MARÍAS, 1955, p. 84-85).

Dentro do contexto da educação no sistema prisional, mais especificamente no método APAC, se pode entender que as novas tecnologias – principalmente as que estão ligadas ao ensino à distância – podem ter um papel muito importante. A educação à distância, de qualidade, é capaz de ajudar imensamente as pessoas na sua capacitação profissional. É preciso tomar cuidado, no entanto, para que os objetivos de humanização e ressocialização não sejam submetidos à pura instrução técnica.

Conclusão

Este estudo procurou mostrar, primeiro, como o sistema prisional atual tende à despersonalização e, nesse sentido, torna-se bastante difícil falar de recuperação e arrependimento dos presos. A dignidade humana precisa ser valorizada primeiro – por meio da justiça e da tolerância – para que o preso reconheça seu erro, a necessidade de cumprir a pena e recomeçar.

O abuso aos direitos dos presos, portanto, não pode ser considerado como punição justa pelos delitos cometidos. No entanto, o sistema atual não tem conseguido dar conta da manutenção dos direitos dos presos e muito menos de sua recuperação. Com o objetivo de fazer com que a Lei de Execução Penal fosse cumprida, nasceu o método APAC – um método humanista do cumprimento da pena que tem por base doze fundamentos e o apoio nas virtudes humanas.

No método APAC existe o incentivo ao trabalho e à educação dos presos – recuperandos – conforme as disposições da Lei de Execução Penal. Mas o objetivo da APAC não é o mero adestramento para este ou aquele comportamento, e sim a restauração da pessoa integral. Por essa razão, a educação – em sua pedagogia da presença – incentiva tanto o conhecimento do recuperando em relação ao seu próximo como em relação a si mesmo. A narrativa da própria vida é algo de grande importância para os recuperandos da APAC.

Por fim, dentro do contexto das novas tecnologias aplicadas mais especificamente no âmbito da educação no sistema prisional, se entende que elas são importantes e podem ajudar muito a capacitação dos presos. Mas, ao mesmo tempo, elas não podem tolher o contato humano que é tão importante para o cumprimento da pena e reabilitação de vida do preso.

Referências

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Submetido em: 17 fev. 2022.

Aceito em: 31 dez. 2022.

 



[1]  Tradução livre do original: Ao que castigarás com obras não trates mal com palavras, pois lhe basta ao desditado a pena do suplício, sem o acréscimo das más razões. Ao culpado que cair sob a tua jurisdição considera-o homem miserável, sujeito às condições de nossa depravada natureza, e em tudo quanto for de tua parte, sem agravar a contrária, mostra-te com ele piedoso e clemente, porque, porque ainda que os atributos de Deus todos sejam iguais, mais resplandece e destaca a nosso ver o da misericórdia que o da justiça.

[2]  Recuperando é o termo utilizado para designar o preso no sistema APAC. Representa a busca pela recuperação do homem em várias dimensões: no campo da saúde, da educação, da instrução, da profissionalização, da valorização humana, da religião, da espiritualidade. (OTTOBONI, 2001, p. 99).

[3]  Tradução livre do original: Uma injustiça não reparada é uma coisa imortal. Provoca naturalmente no homem o desejo de vingança, para restabelecer o equilíbrio rompido; ou bem a propensão a responder com outra injustiça; propensão que pode chegar até a perversidade, através do afeto a que chamam hoje ressentimento.

[4]  Tradução livre do original: […] no fundo se trata de ter consciência da dignidade objetiva da pessoa humana, de que o homem não pode ser tratado ao arbítrio do poder e da sociedade, porque é objetivamente um ser digno e exigente, portados de uns direitos em virtude de sua dignidade, reconhecidos, mas não outorgados pela sociedade.

[5]  Tradução livre do original: Se a alma humana não fosse mais que baixeza, nem sequer se daria conta da baixeza; mas se se dá conta, evidentemente há nela uma alteza. Esta alteza está invisível nas ‘Memórias do Subsolo’; mas ela é a que produz todas as memórias do subsolo. Uma nobreza terrivelmente machucada e ferida resfolega ali pela ferida.

[6]  Tradução livre do original: É uma ficção declarar o trabalho, a produção de coisas úteis, como tendo sentido por si mesmo. Tal ficção leva ao exato oposto do que parece realizar. Ela traz o exato oposto de ‘liberação’, ‘elevação’, ou ‘reabilitação’ para o trabalhador. Ela traz precisamente essa dimensão inumana tão típica do mundo de trabalho absoluto: ela traz a servidão final do ser humano dentro do processo de trabalho, ela torna a todos explicitamente proletários.

[7]  Tradução livre do original: O método adequado pode ser abandonar-se ao dramatismo da vida, tal como é efetivamente vivida, sem sobrepor a ela um esquema alheio, que não surja dela mesma. Tem que ser um método narrativo, que reconstrua a fluência da vida, suas conexões reais, suas formas de fundamentação e justificação. A forma efetiva da vida em seu acontecer tem que refletir-se em sua teoria, traduzir-se assim em termos conceituais.

[8]  Tradução livre do original: Negar a primazia e o valor da palavra é renunciar à dignidade de pessoa, ao papel ontológico distintivo; e é impedir que o homem realize o único ato que o assemelha à Deus, porque a criação divina – isto ensinou Platão para sempre – encontra sua semelhança mais perfeita na arte da definição.

[9]  Tradução livre do original: A técnica aparece ao homem de nossos dias como um horizonte de possibilidades ilimitadas; em princípio, nada fica excluído; ninguém se atreveria a dizer com muita segurança que é impossível a mais estupenda façanha técnica que se enuncie. O homem de meados do século XX está na crença de que o alcance da técnica é indefinido e imprevisível; isto é, que com a técnica se pode «tudo», mas com o que não se pode é com a técnica.

[10] Tradução livre do original: As possibilidades aumentaram enormemente; vê-se cada vez com maior clareza que o homem é plástico, que não é uma coisa, que não está feito. A filosofia atual está acabando com o lastro de materialismo que a dominou – também e desde logo os “espiritualismos” – e por isso começa a fazer-se possível uma compreensão filosófica do cristianismo. O homem é pessoa – se tem repetido há séculos –; mas acaso só hoje se começa a ver a sério o que é pessoa. E a vida atual, tão fortemente oprimida pelo Estado, e por outros poderes, está por dentro bem-disposta. Mas para viver hoje humanamente – e isto quer dizer autêntica e originariamente –, é preciso muita imaginação; e está aparecendo, venenoso e turvo, o ressentimento dos que não a têm.