A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO PARA A MITIGAÇÃO DOS RISCOS E DANOS DECORRENTES DA QUARTA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

André Dias Fernandes

Centro Universitário 7 de Setembro, Ceará.

andredias@uni7.edu.br

Cláudio Germando Sampaio Machado

Centro Universitário 7 de Setembro, Ceará.

gdomdo@gmail.com

Resumo: A cada nova revolução industrial, a humanidade experimenta impactos bastante significativos na seara socioeconômica, ocasionando substantiva redefinição das relações pessoais e profissionais. Dentre as repercussões observadas, será discutido o papel do Estado quanto à minoração dos riscos à privacidade e à proteção de dados pessoais, bem como aos riscos de natureza laboral, em ordem a perquirir a possibilidade de desemprego tecnológico em massa e a consequente redução do poder de consumo, o que geraria um desequilíbrio entre a crescente oferta de bens produzidos pela Indústria 4.0 e a diminuta demanda dessas mercadorias, ampliando, ainda mais, a desigualdade social já existente. Ao final, serão propostas algumas medidas eficazes e juridicamente viáveis de enfrentamento desse cenário de agravamento dos contrastes socioeconômicos, perpassando-se, inclusive, por aspectos de atribuição de responsabilidade aos setores público e privado para fins de capacitação da classe trabalhadora, tornando-a hábil às contemporâneas relações trabalhistas. A metodologia empregada é teórica, bibliográfica, descritiva e exploratória, de natureza qualitativa, com predomínio do método dedutivo.

Palavras-chave: Quarta Revolução Industrial; Indústria 4.0; Desemprego Tecnológico; Responsabilidades Pública e Privada; Novas Tecnologias.

The state’s contribution to mitigating the risks and damage arising from the fourth technological revolution

Abstract: With each new industrial revolution, mankind experiences significant impacts in the socioeconomic field, causing a substantive redefinition of personal and professional relationships. Amongst the repercussions observed, the role of the State will be discussed as to the minimisation of privacy and personal data protection risks, as well as labour risks, in order to investigate the possibility of mass technological unemployment and the consequent reduction of purchasing power, which would generate an imbalance between the growing supply of goods produced by Industry 4.0 and the diminishing demand for these goods, further amplifying the already existing social inequality. At the end, some effective and legally feasible measures will be proposed to face this scenario of worsening socioeconomic contrasts, including aspects of attribution of responsibility to the public and private sectors for the purposes of training the working class, making it skilled to contemporary labour relations. The methodology used is theoretical, bibliographical, descriptive and exploratory, of a qualitative nature, with predominance of the deductive method.

Keywords: Fourth Industrial Revolution; Industry 4.0; Technological Unemployment; Public and Private Responsibilities; New technologies.

Introdução

Nos seus primórdios, a sociedade era marcadamente regida pela economia de subsistência, em que somente se produzia o necessário ao próprio consumo e, em caso de excedente, se praticava o escambo junto a integrantes de comunidades locais.

A marcante concentração de riqueza nas mãos de poucos, essencialmente os grandes proprietários de terra, e as baixas condições de vida impulsionaram o movimento emigratório pela busca por salários mais elevados nos núcleos urbanos, o que estimulou o surgimento de novas tecnologias que fossem capazes de atender o crescimento desse mercado.

Nesse ínterim, ainda no século XVIII, eclode a Primeira Revolução Industrial, que marcou profundamente as relações humanas, sobretudo por aspectos referentes à invenção da máquina a vapor e o consequente deslocamento da manufatura artesanal à mecânica, com a progressiva substituição da mão de obra humana pelas máquinas.

O aumento do mercado comprador, a busca pela redução dos custos de produção e a necessidade de incremento da oferta de produtos tornaram necessária a inserção de mulheres e, até mesmo, de crianças no piso das fábricas.

Em paralelo à crescente expansão mecanicista, surgiram novas tecnologias nos setores de eletricidade, de transportes e de comunicação, que viabilizaram o aumento ainda maior das possibilidades empresariais, que passou a alcançar mercados mais distantes, de culturas e línguas diversas, traços marcantes da Segunda Transformação Desenvolvimentista, tradicionalmente datada de 1870 e 1945.

A automatização das linhas de produção e de montagem foi adotada por grandes multinacionais, iniciando o movimento denominado de fordismo, pautado pelo aumento superlativo da eficiência, a fim de suprir as crescentes demandas da sociedade de consumo que permanecia em franca ascensão.

O diretor e roteirista britânico Charles Chaplin expressou essa era de produção no filme Tempos Modernos, em que retrata, de forma caricata, o personagem Little Tramp e sua rotina dentro de uma fábrica da época, com predomínio de atividades altamente especializadas, fragmentadas e repetitivas, e de condições degradantes de trabalho.

O fim da Segunda Guerra Mundial e a necessidade de reconstrução das sociedades assoladas pelo embate bélico estabeleceu o início de uma nova fase socioeconômica, viabilizada precipuamente pela globalização da economia – por meio da formação de blocos econômicos de países com interesses comuns – e da comunicação, mercê da rede mundial de computadores.

Com o avançar da industrialização e a necessidade de escoamento da produção crescente, tornou-se necessário expandir o alcance ao mercado consumidor. A concorrência circunscrita às comunidades mais próximas cedeu lugar à globalização, aumentando, ainda mais, o acirramento competitivo, que se tornou planetário.

Essa multinacionalização trazida pela Terceira Revolução Industrial acentuou as preocupações com a questão do desemprego, pois a competitividade passou a confrontar países de realidades e perspectivas humanas muito diversas, em que o abismo de acesso ao conhecimento poderia se acentuar de forma crítica e jamais experimentada.

Todos esses ciclos evolutivos conduziram a sociedade a cenários desafiadores e, por vezes, discriminatórios. É preciso se valer dos ensinamentos pretéritos para suavizar e, quiçá, eliminar as consequências lesivas que as revoluções vindouras trarão.

No contexto da hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2004, passim), para fazer face às necessidades sempre cambiantes de uma sociedade em perene e vertiginosa mutação, o Estado é convocado a desempenhar novos papéis, seja como prestador de serviços públicos, seja na qualidade de regulador das novas realidades, seja como fomentador, dentre outros. (FERNANDES; NASCIMENTO, 2020, p. 126).

No que respeita aos serviços públicos, por exemplo, a Administração Pública brasileira está continuamente reinventando-se: de início prestava serviços públicos aos administrados de maneira exclusivamente presencial, depois adotou o modelo de “Governo Eletrônico” (e-gov, ou “electronic government”), e, mais recentemente, superou tal modelo pelo paradigma de “Governo Digital”. (BRASIL, 2020, online).[1] Desde 2014, a OCDE recomenda a transição do “electronic government” para o “digital government”. (OECD, 2014).[2] Nessa linha, a Lei n.º 14.129/2021 dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital, buscando aumentar a eficiência administrativa por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão (art. 1º), priorizando a prestação digital dos serviços públicos por meio do autosserviço (art. 14)[3], definido como o “acesso pelo cidadão a serviço público prestado por meio digital, sem necessidade de mediação humana” (art. 4º, II).

 É intuitivo que essa mudança de paradigma acarreta substanciais desafios quanto à proteção de dados pessoais de posse da Administração Pública, à cibersegurança, à não discriminação algorítmica entre os administrados, etc.

Para além disso, serão avaliados os possíveis impactos da Quarta Revolução Industrial, marcada essencialmente pelos sistemas cibernéticos e pela inteligência artificial, no mercado de trabalho e a busca por soluções juridicamente capazes de promover o desenvolvimento tecnológico e, pari passu, a consolidação das condições de trabalho já conquistadas, inclusive promovendo certa redução nas desigualdades socioeconômicas.

Diante dessa conjuntura, cumpre verificar se a população está preparada à competitividade imposta pela Indústria 4.0. Ademais, impende examinar a quem caberia essa capacitação popular em grande escala: a cada Estado, aos países mais desenvolvidos, que naturalmente explorarão a mão de obra menos favorecida, às empresas dotadas da tecnologia da automação, aos próprios trabalhadores ou a todos, em suas devidas cotas de responsabilidade.

A metodologia empregada é teórica, bibliográfica, descritiva e exploratória, de natureza qualitativa, com predomínio do método dedutivo.

1. A quarta revolução industrial no mundo

Ainda não é possível determinar com exatidão quando começou a Revolução 4.0 no mundo, pois ela constitui um processo contínuo e em constante evolução. No entanto, é possível identificar alguns marcos importantes que assinalam o início dessa revolução, como o desenvolvimento de tecnologias como a inteligência artificial e a robótica. As expressões Indústria 4.0 e Quarta Revolução Industrial surgiram precisamente em 2011, por obra do Ministério Alemão de Educação e Pesquisa, em uma tentativa de resposta à crescente demanda da sociedade de consumo, tendo por escopo ganho de escala no quesito eficiência produtiva (KAGERMANN; LUKAS; WAHLSTER, 2011, p. 2-3).

Alguns ramos de atividade tiveram crescimento exponencial com o advento da Indústria 4.0, dentre os quais se destacam a inteligência artificial (IA), a internet das coisas (IoT), a nanotecnologia, a biotecnologia, o blockchain e os veículos autônomos, que, associados, promoverão transformações nas formas de fabricação, de logística e de consumo.

Os estudos sobre IA buscam equiparar a inteligência virtual à humana, dotando a máquina de capacidade de captar dados externos, interpretá-los, tratá-los e destiná-los a finalidades específicas, bem como de aprender e evoluir cognitivamente (machine learning) à semelhança de humanos, mas com continuidade, infatigabilidade e longevidade impossíveis aos seres humanos.

A evolução dessa vertente almeja chegar a um cenário em que o sistema seja capaz de habilidades e interações sociais atualmente apenas realizadas pelos humanos sem que estes sejam capazes sequer de distinguir se estão interagindo com um robô ou não. Nesse intuito é que a indústria de robótica tem investido fortemente na produção de máquinas cada vez mais pujantes e próximas da “realidade real”.

Já a IoT concerne a sistemas ou equipamentos conectados à rede mundial de computadores capazes de dialogarem entre si, a exemplo de eletrodomésticos como uma geladeira que pode enviar notificações a um smartphone de que determinados produtos estão com prazo de validade prestes a expirar, enviar uma sugestão de lista de compras, ou até mesmo efetuar as compras diretamente pela internet, sem a intervenção do proprietário. É o conceito de “casa inteligente” propiciado pela Internet das coisas.

Por sua vez, a nanotecnologia se dedica ao estudo de estruturas de tamanho a um milímetro dividido por um milhão de vezes, perceptível apenas por microscópio atômico, bem superior à capacidade do microscópio óptico e, por óbvio, ao olho humano.

Tal dimensão reduzida permite várias possibilidades de aplicação, com amplificação de eficiência, a exemplo da fabricação de microchips com maior poder de conversão de energia fotovoltaica em elétrica; de equipamentos capazes de diagnosticar mais precocemente doenças como o câncer, aumentando o poder de cura medicamentosa; e de sensores utilizados na agronomia e na agricultura, capazes de verificar a composição do solo e da fauna, expandindo, assim, a correção de eventual anomalia e a produtividade das lavouras.

Por definição, a biotecnologia é o ramo da ciência que se dedica ao manejo de organismos vivos para fins de fabricação ou modificação de produtos nas variadas áreas de estudo, tais como biologia, física, química e informática, com significativos ganhos em medicina, agricultura, estatística e meio ambiente, entre outros.

Exatamente por esse motivo, esse conjunto de procedimentos é tido como inovador e, ao mesmo tempo, assustador, pois está atrelado a muitas incertezas quanto a seus impactos em realidades humanas, animais e ambientais, como o caso de doenças causadas por produtos transgênicos.

A seu turno, o blockchain, ou “protocolo de confiança”, possibilita o registro de transações financeiras em arquivo digital seguro, imutável, transparente e passível de auditoria, útil para efeito de certificações que demandem alta segurança e confiabilidade.

Por fim, estão em rápida evolução os veículos autônomos, que trafegam por seus próprios meios, sem a necessidade de condução diretamente humana, mediante tecnologia de sensores capazes de guiar o veículo com auxílio de mapas remotos, que identificam a rota mais curta e/ou de menor tempo de deslocamento, e desviam de obstáculos com elevado grau de segurança aos seus tripulantes.

A Alemanha foi o primeiro país a implementar sistemática com os predicados inerentes às fábricas inteligentes, dando origem a políticas públicas voltadas à integração de computação, comunicação e controle por meio de alta conectividade disponível, transparente e segura.

Em seguida, Grã-Bretanha, Itália e França também se inseriram nesse mercado da Indústria Inteligente, com os programas Catapult Programme (2011), Fabbrica del Futuro (2013) e Industrie du Futur (2015), respectivamente, tendo como premissa básica a conjugação de esforços entre governo, indústria e ciência, com investimento em desenvolvimento de tecnologia de alto grau de evolução, capacitação dos trabalhadores e suporte financeiro às empresas.

Nos demais continentes, destacam-se países como Estados Unidos, China e Japão, com medidas semelhantes às já citadas, isto é, investimento em pesquisas científicas para o desenvolvimento de tecnologias de automação, mediante esforço mútuo entre entidades públicas e privadas.

A fim de fomentar inovação disruptiva, Estados Unidos, Japão e União Europeia têm recorrido com sucesso a contratos de encomendas tecnológicas (ETECs), os quais têm como elemento essencial o risco tecnológico.[4] Esses contratos configuram relevantes instrumentos de estímulo estatal à inovação nas empresas, conforme reconhece a própria legislação brasileira (Lei n.º 10.973/2004, art. 19, § 2º-A, V).

Tal modalidade contratual, voltada para a busca de soluções de inovação mediante pesquisa e desenvolvimento (P&D), malgrado prevista na Lei de Inovação (Lei n.º 10.973/2004, art. 20)[5] e regulamentada no Decreto n.º 9.283/18 (arts. 27 a 33), ainda é subutilizada no Brasil, apesar de seu ingente potencial transformador da realidade e indutor de desenvolvimento. A título de exemplo, as vacinas contra Covid-19 atualmente empregadas (Pfizer/Biontech, AstraZeneca/Fiocruz etc.) são resultado de encomendas tecnológicas realizadas por vários países, incluindo o Brasil. Com efeito, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) e a AstraZeneca UK Limited, assinaram em setembro de 2020 o termo de contrato n.º 01/2020 a fim de desenvolver, em escala industrial, a produção do insumo farmacêutico ativo (IFA) e produzir a “vacina acabada” suficientes para 100,4 milhões de doses, incluindo a obrigatoriedade de transferência total de tecnologia ao Brasil, conforme previsto na cláusula primeira do contrato. (FIOCRUZ, 2020).

À medida que a conectividade entre o mundo real e o mundo virtual foi intensificando-se nos países desenvolvidos, a quantidade de estudos científicos sobre o tema aumentou consideravelmente.

Em sua dissertação de mestrado em Economia Social, Alexandre Junqueira (2020, p. 13) relata que há os que defendem os benefícios trazidos pela evolução tecnológica, uma vez que a modernização dos meios de produção impulsionaria a oferta de produtos e, por conseguinte, proporcionaria uma alavancagem dos postos de trabalho.

Para estes, a promessa de um desenvolvimento ágil, sustentável e inclusivo, potencialmente trazido pela Manufatura Avançada ensejaria mais oportunidades quanto à geração de emprego e renda, e, por consequência, redução da desigualdade social presente.

Mais adiante, assevera que, em sentido oposto, o provável aumento da produtividade trazido pelas novas tecnologias conduziria a sociedade a um quadro de aumento sem precedentes da massa de desempregados, amplamente substituídos pela mecânica tecnológica global, o que geraria um agravamento da desigualdade socioeconômica.

O temor do desemprego tecnológico esteve presente nas revoluções industriais anteriores. Uma das maiores manifestações desse temor foi o movimento luddista, surgido na Inglaterra em 1811, durante a Primeira Revolução Industrial e as guerras napoleônicas. Inspirados pelo personagem fictício Ned Ludd, vários tecelões começaram a destruir as máquinas das fábricas onde trabalhavam, em protesto contra a substituição de empregados pelas máquinas, tornando-se conhecidos como ludditas (“Luddites”), luddistas ou simplesmente “machine breakers”, na expressão de Eric Hobsbawm. Por extensão, o termo luddismo passou a significar, na atualidade, oposição teimosa e irracional a avanços tecnológicos em geral. O luddismo é amplamente criticado por mirar no alvo errado: as máquinas em vez das políticas públicas laborais.[6] No entanto, a partir do trabalho seminal de Hobsbawm (1952), vários autores contemporâneos têm questionado a visão tradicional do movimento luddista, propondo a ideia de que não se tratava de uma mera tentativa irracional de obstrução do progresso, mas sim de uma ação estratégica a fim de negociar melhores condições salariais e de trabalho numa época em que ainda não existiam sindicatos e os empregados estavam sendo oprimidos por reduções salariais inerentes à primeira fase da revolução industrial, agravadas pela inflação decorrente das guerras napoleônicas. Seria uma espécie de “collective bargaining by riots” (“negociação coletiva por motins”), na expressão cunhada por Hobsbawm.[7]

A quadra atual tem inspirado ainda maior receio, dada a velocidade exponencial com que as inovações se sucedem, o que representa maior ganho em escala, mas, por outro lado, migração e/ou extinção de inúmeros postos de trabalho.

À guisa de exemplo, pesquisa realizada em 2017 pontuou que 47% dos empregos estadunidenses foram classificados como altamente passíveis de automação dentro do intervalo de 10 a 20 anos. (FREY; OSBORNE, 2017). São números preocupantes, sobretudo porque alusivos a uma sociedade já mais ambientada às tecnologias de ponta, diferentemente dos países em desenvolvimento e, ainda mais, das nações em subdesenvolvimento.

Até mesmo atividades profissionais que aparentemente seriam afetadas numa onda futura, já estão em via de transformação. Chatbots como o ChatGPT, que em poucos dias após o lançamento tornou-se extremamente popular, com milhões de usuários, acenderam o alerta de que atividades como a de jornalismo, programação de dados, e educação serão grandemente impactadas no curto prazo.[8]

Caso confirmado, esse cenário certamente ocasionará agravamento considerável na renda média da classe obreira, em especial a menos provida de conhecimento e de especialização. A rigor, o produto interno bruto por cabeça até permaneceria o mesmo, já que considerado em média ponderada, mas a renda em si sofreria grande abalo, pois migraria da base e da zona intermediária para o topo da pirâmide, aumentando, ainda mais, o fosso já existente entre tais castas, com possibilidade de maior agravamento nas próximas décadas, caso não haja um aparato de suporte adequado (SCHWAB, 2016).

Esse cenário corrobora o pensamento esposado por Keynes (1998, p. 81), ainda no século XIX, visto que a mecanização da mão de obra seria superior à possibilidade de realocação dessa força de trabalho alijada pelas máquinas, criando-se, pois, um severo déficit empregatício.

Outro estudo, realizado pelo Fórum Econômico Mundial,[9] assentou que, até 2020, as tecnologias pós-modernas foram responsáveis pela extinção de 7,1 milhões e pela criação de 2,1 milhões de vagas de emprego, representando, pois, um déficit de 5 milhões de desempregados tecnológicos, em especial trabalhadores com baixa qualificação e especialização. Ademais, até 2025, metade dos trabalhadores que permanecerem em seus respectivos empregos precisarão de qualificação tecnológica.

Afora a perda numérica em si, existe outro óbice a ser enfrentado, qual seja, essa massa de pessoas compelidas à inatividade teria grande dificuldade em reposicionar-se no mercado de trabalho, cada vez mais avançado e excludente.

Conforme Pistono (2017, p. 32), a expansão digital vem passando por crescimento significativo, a ponto de, nos dias atuais, duplicar sua capacidade anualmente, realidade bem diferente do intervalo entre as décadas de 1950 e 1970, quando a dobra era atingida a cada dois anos. Mais distante ainda era a realidade das primeiras décadas do século XX, quando a duplicação era alcançada a cada quarenta anos.

Os números evidenciam o temor que paira nas sociedades atuais, no sentido de que as novas tecnologias podem até criar mais postos de trabalho, mas não seriam capazes de gerar mais ocupações, de modo que o déficit crescente seria resultado inescapável da robotização.

A concepção desse novo paradigma tecnológico, associado à informação e à comunicação por meio de dispositivos cada vez menores e mais robustos, está transformando toda a cadeia produtiva, social, econômica, educacional, política e relacional (CASTELLS, 1999).

A incessante busca por mecanismos que tragam cenários de redução de custos conduz a paradoxos como o da Uber, maior empresa mundial de táxi, sem ser proprietária de um carro sequer; o do Facebook, plataforma superlativa em mídia social, sem produzir conteúdo; e do AirBnb, maior empresa do mundo em hospedagem, sem, no entanto, possuir um único imóvel. (AGUIAR, 2020). Acrescente-se, ainda, o Alibaba, maior empresa varejista do mundo, porém, sem estoque físico; e o Bitcoin, moeda mais valiosa do planeta, sem Banco Central, contudo. É a sociedade do “ser” sendo transformada na do “usar”.

Diante da inevitabilidade da acentuada automação trazida pela Indústria Inteligente,[10] um dos grandes desafios do momento é exatamente promover um equilíbrio entre a quantidade de ocupações que serão extintas e as que serão criadas e/ou transformadas.

2. A quarta revolução industrial no Brasil

Enquanto os países de Primeiro Mundo caminham a passos largos no campo da tecnologia digital, o Brasil ainda engatinha em tal progressão. A título de exemplo, estudo aponta que apenas 9% das empresas nacionais estão em um estágio tido como avançado no quesito digitalização, ao passo que México já apresenta percentual de 40% (MAGALHÃES; VENDRAMINI, 2018).

Os destaques positivos são os setores agrícola e financeiro, que utilizam ferramentas da Indústria 4.0 já em escala considerável, para fins de aumento da produtividade, a exemplo da biotecnologia, da nanotecnologia e do blockchain.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE[11] demonstra que a taxa de desemprego no Brasil atingiu, em 2014, o patamar médio de 4,8% da população economicamente ativa, ao passo que em 2022 superou a cifra de dois dígitos percentuais, atingindo picos de 14,9% em 2020 e 2021, e 11,2% em 2022, revelando o incipiente, porém crítico impacto que a automação teve no mercado de trabalho nacional, atingido pela pandemia da Covid-19.

Nesse ritmo, na próxima década, há o grande risco de esse patamar romper a barreira dos 20% de desempregados, mediante a absorção dos atuais 21,2% de subutilizados, composto pelos diretamente atingidos pela mecanização, como por aqueles que não possuem capacitação hábil a ocuparem os postos de trabalho que exigem maior habilidade digital.

Conforme entendimento do IBGE, a subutilização da força de trabalho é composta pelas categorias dos desempregados (pessoas dentro da força de trabalho, porém atualmente desocupadas, mas que tomaram alguma providência efetiva para recolocação do mercado de trabalho), daqueles com força de trabalho em potencial (pessoas fora da força de trabalho, mas com potencial para serem integradas a esta classe) e os subocupados por insuficiência de horas (trabalhadores com jornada semanal inferior a 40 horas, mas com possibilidade de complementação da carga horária).

Conforme estudo do Instituto Mckinsey Global, a automação de 50% dos postos de trabalho atualmente existentes poderia ocorrer por volta de 2055, podendo ser antecipada em até 20 anos, caso haja uma conjunção de fatores que colaborem para a pavimentação dessa realidade disruptiva.[12]

Essa realidade afetará diretamente as atividades técnicas e de média qualificação, e indiretamente todas as atividades, mesmo as mais qualificadas, que precisarão evolver para acompanhar a incessante evolução das máquinas, uma vez que as empresas já iniciaram o movimento pelo investimento maior em máquinas inteligentes, e, não necessariamente, em pessoas inteligentes (ZUBOFF, 2021).

Após a primeira fase de desaceleração da quantidade de postos de trabalho, há quem defenda que se passaria a experimentar uma etapa de reabsorção dessa mão de obra, tendo em vista o crescimento da produtividade e a necessidade de escoamento desse excedente.

Nesse sentido, caso os interesses empresariais efetivamente partilhem o incremento lucrativo com as demais classes sociais, certamente a automação reduzirá a jornada dos trabalhadores, alcançando a promoção de uma maior produtividade junto ao incremento em qualidade de vida.

Quando voltada à proteção do trabalhador, a tecnologia é bastante salutar, uma vez que permite a inclusão de pessoas com algum tipo de limitação, além de reduzir ou eliminar jornadas exaustivas e em ambientes insalubres e periculosos (DINIZ, 2015).

Amauri Mascaro do Nascimento (2014, p. 234), desde o século passado, já pontuava que as evoluções tecnológicas, além do aspecto de crescimento econômico, devem também estar associadas a aspectos de valorização do trabalhador, em especial de sua condição social e da dignidade humana, em atendimento ao exercício da função social da propriedade.

Em direção oposta, há estudiosos que enfatizam os aspectos maléficos de tais inovações, uma vez que a automação em larga escala representaria um potencial danoso de extinção de muitos postos de trabalho, sobretudo os menos complexos.

A PricewaterhouseCoopers (PwC) elaborou um estudo denominado “Will robots really steal our jobs?” a fim de prognosticar o impacto da automação nos postos de trabalho ao longo dos anos. (HAWKSWORTH; BERRIMAN; GOEL, 2018). Para tanto, fundou-se em compilação realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE que abrangeu mais de 200.000 trabalhadores de um total de vinte e nove países, dos quatro continentes.

Essa pesquisa definiu os momentos do processo de automação como ondas, a iniciar pela de algoritmo (“algorithm wave”), já em avançada fase de implantação, equivalente à automação de atividades digitais simples, com ênfase no âmbito das comunicações e das finanças.

Em seguida, tem-se a onda de ampliação (“augmentation wave”), em implementação de nível intermediário, por meio da automação de operações repetitivas, a exemplo da troca de informações mediante estrutura tecnológica dinâmica, com impacto relevante nos setores de educação e serviços sociais.

A terceira e última onda (“autonomy wave”), de tecnologia ainda em desenvolvimento, teria foco na automação da destreza manual rebuscada e em atividades que exijam respostas não personalizáveis previamente, a demandar resiliência, serenidade e versatilidade.

2.1. Repercussões nas atividades jurídicas

Cumpre analisar agora os impactos da tecnologia da Indústria 4.0 na área jurídica, com ênfase no ordenamento jurídico nacional. Estudos[13] projetam que considerável percentual das atividades desenvolvidas por advogados são passíveis de automação, por meio de aplicativos desenvolvidos geralmente por startups cognominadas de lawtechs ou legaltechs, tais como tarefas de digitação, pesquisa jurisprudencial, doutrinária e legislativa e buscas em publicações de diários oficiais.

Destacam-se também as atividades não necessariamente repetitivas ou rotineiras, a exemplo das consultas de processos e de controle de prazos, como também tarefas da gestão processual, por meio da confecção de petições, no denominado contencioso de massa.

Conforme assenta o Conselho Nacional de Justiça, a tendência da sociedade brasileira à hiperjudicialização de demandas despertou o interesse de muitas empresas. (TOFFOLI; GUSMÃO, 2019). Nesse diapasão, surgiram vários aplicativos com funcionalidades direcionadas ao público jurídico, tais como a verificação de alíquotas e bases de cálculo de incidência tributária (Getjus[14]).

Outra plataforma, de nome Jurimetric[15], tem foco na realização de prognósticos das demandas judiciais, de acordo com o objeto da causa, o valor do êxito e o tempo médio de duração do processo, contribuindo, pois, decisivamente para a definição da tese a ser defendida. Essa predição é obtida por intermédio de buscas em ambientes digitais alheios ao mundo jurídico, como aplicativos de mídias sociais e sítios eletrônicos de relacionamentos e de proteção de crédito, com base nos quais os algoritmos conseguem analisar o perfil comportamental do propenso litigante, a fim de estimar a probabilidade de êxito da causa.

Na França, já há um movimento para limitar o perfilamento de juízes e preservar o seu direito à privacidade. O art. 33 da Loi n° 2019-222 du 23 mars 2019 (inserido na Section 3, intitulada “Concilier la publicité dês décisions de justice et le droit au respect de la vie privée”), emprestou a seguinte redação ao artigo L111-13 do Código de Organização Judiciária[16]:

Artigo L111-13. [...] Os dados de identidade de magistrados e membros da secretaria não podem ser reutilizados com o objetivo ou para efeito de avaliar, analisar, comparar ou prever suas práticas profissionais reais ou presumidas. A violação dessa interdição é punida com as penalidades previstas nos artigos 226-18.226-24 e 226-31 do código penal, sem prejuízo das medidas e sanções previstas na Lei n° 78-17 de 6 de janeiro de 1978, relativa ao processamento de dados, aos arquivos e às liberdades. (LEGIFRANCE, 2019, tradução livre)

Na visão do Conseil Constitutionnel, que chancelou a alteração legal, esse perfilamento (“profilage”) dos juízes poderia conduzir a pressões ou estratégias de escolha de jurisdição capazes de alterar o funcionamento da justiça, consoante se extrai da Decisão 2019-778 DC. [17]

A repleção de ações judiciais e a consequente demora na entrega da prestação jurisdicional tem impulsionado a resolução de conflitos por meios virtuais, como a Online Dispute Resolution-ODR, mercê da qual se processam atos de mediação, com o fito de solução autocompositiva do litígio, prescindindo no geral dos casos da participação de advogado. A plataforma consumidor.gov, mantida pelo próprio governo federal, tem desempenhado um notável papel na prevenção de demandas judiciais.

Para conferir mais celeridade às demandas que lhe são direcionadas, o próprio poder público, por intermédio do Poder Judiciário, tem institucionalizado plataformas de fomento à digitalização das atividades inerentes ao profissional do Direito, em atendimento aos princípios da celeridade e da duração razoável do processo judicial, nos devidos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF/88 e do art. 4º do CPC.

Esse mister público se tornou possível com o advento do peticionamento eletrônico e da informatização do processo judicial, criado pela Lei nº 11.419/2006 e posteriormente modificado pela Lei nº 14.318/2022, que prevê a utilização de sistema de protocolo integrado judicial em âmbito nacional.

Recentemente, com o início de vigência da Resolução nº 420/2021 do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, o Poder Judiciário deu mais um passo, ao tornar obrigatório, como regra, o peticionamento eletrônico a partir de 1º de março de 2022.[18]

Todo esse esforço por modernização tem por meta tornar o sistema de justiça mais acessível, mais célere e, portanto, mais efetivo, com a obtenção da duração razoável do processo a todos os demandantes.

2.2. Riscos aos direitos de privacidade e de proteção de dados pessoais: o papel do Estado

A implementação da Indústria 4.0 envolve a conexão de dispositivos e sistemas a uma rede, o que pode levar ao processamento em larga escala de dados pessoais, incluindo informações sobre o comportamento dos indivíduos. Isso pode levantar questões sobre a privacidade e o uso de dados pessoais, gerando preocupações legítimas sobre o monitoramento do cidadão e a hipervigilância por parte do Estado e por empresas privadas.

Para assegurar a privacidade e a proteção de dados pessoais, é importante que as empresas e organizações adotem medidas de segurança eficazes e sigam as regras e regulamentações aplicáveis, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil. Isso inclui medidas como criptografia de dados, autenticação de usuários e proteção contra invasões de cibersegurança.

As empresas também precisam ser transparentes sobre o uso de dados pessoais e fornecer informações claras sobre como os dados são coletados, armazenados e usados. Além disso, os indivíduos devem ter controle sobre seus próprios dados pessoais e devem ter a opção de não compartilhar seus dados ou de restringir o uso de seus dados de determinadas maneiras.

As empresas podem coletar dados de dispositivos conectados, como smartphones ou relógios inteligentes, para análise de comportamento e outros fins. Isso pode incluir informações sobre a localização, os hábitos de exercício e até mesmo a saúde dos indivíduos. Um aparentemente inofensivo robô aspirador de pó pode ser usado por outro dispositivo a ele conectado para mapear o tamanho da casa, dos cômodos, quais móveis e eletrodomésticos existem na casa, e, a partir do tipo de resíduos gerados e aspirados, até os hábitos alimentares dos moradores, sem que estes tenham ciência de que tais dados estejam sendo compartilhados e que podem ser usados para efeito de perfilamento (profiling), marketing direcionado, etc.

Semelhantemente, algumas empresas já oferecem implantes de chips com tecnologia RFID a empregados que se voluntariem a usá-los, com o objetivo declarado de facilitar o login nos computadores, a realização de compras, a abertura de portas etc., dispensando o uso de senhas e otimizando o tempo do empregado.

Tais implantes podem, contudo, ser usados para monitoramento contínuo do empregado, mesmo fora do horário de trabalho, revelando dados de geolocalização e padrões de consumo, por exemplo, que podem ser compartilhados indevidamente com outras empresas para outras finalidades ou simplesmente “hackeados”.[19] Ainda que haja consentimento do empregado, este pode ser viciado, dada a assimetria de poder inerente à relação empregatícia. Empregados que não consentirem podem ser estigmatizados ou deixar de receber benefícios reservados aos que aderirem ao implante de chips.[20] Situações que tais reclamam comportamento ético das empresas e do mercado, mas também não prescindem de uma regulação estatal hábil a coibir tais abusos.[21]

É importante lembrar que a Indústria 4.0 também pode trazer muitos benefícios, como eficiência, produtividade e inovação. No entanto, é crucial que os riscos à privacidade e à proteção de dados pessoais sejam mitigados de maneira adequada, designadamente pelo Estado, para garantir que os benefícios da Quarta Revolução Industrial sejam alcançados de maneira responsável e equilibrada.

A fim de minimizar os riscos à proteção de dados pessoais na implementação da Indústria 4.0, cabe ao Estado: a) regulamentar adequadamente o tema, cominando sanções proporcionais à gravidade da violação; b) fiscalizar eficazmente o cumprimento da legislação, assegurando à autoridade de proteção de dados independência, estrutura material e de recursos humanos para que possa cumprir a contento sua missão; c) promover a cibersegurança nas plataformas digitais da Administração Pública, minorando o risco de vazamento de dados pessoais dos administrados; d) fomentar iniciativas de conscientização e treinamento; e) criar programas de incentivo para a implementação de práticas de proteção de dados, como bolsas de estudo ou incentivos fiscais, para ajudar as empresas a implementar medidas de segurança eficazes; f) investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias de proteção de dados; g) exigir das empresas transparência sobre a coleta e o uso de dados pessoais, incluindo exigências como políticas de privacidade fáceis de entender e notificações de alterações nas políticas de privacidade.

3. A responsabilidade pela capacitação da classe trabalhadora

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, houve a consagração do direito à proteção em face da automação (art. 7º, XXVII), em ordem a garantir um padrão de desenvolvimento socioeconômica e tecnologicamente sustentável. No entanto, tal direito ainda continua carente de regulamentação legal uniforme e geral, mediante fixação de diretrizes protetivas à automação do trabalho.

Ao apreciar o MI 618/MG, em decisão monocrática publicada em 22.10.2014, a Min. Carmen Lúcia delimitou o âmbito de proteção dessa norma constitucional, ao asseverar que o art. 7º, XXVII, da Constituição não garante a proteção contra inovações tecnológicas em geral, mas tão somente em face da substituição do trabalhador pelas máquinas.[22]

Mais de uma dezena de projetos de lei foram apresentados no Congresso, mas nenhum até o momento logrou aprovação.[23] Dentre eles, sobressaem o PL 1091/2019, apresentado pelo Deputado Wolney Queiroz (PDT/PE), e o PL 4035/2019, submetido pelo Senador Paulo Paim (PT/RS), pela proposta de regulamentação mais detalhada.

Essa lacuna legislativa vem sendo parcialmente colmatada, de forma pontual, mediante: a) criação do trabalho intermitente pela Lei nº 13.467/2017; b) ampliação das possibilidades do trabalho temporário nas empresas urbanas pela Lei nº 13.429/2017; c) criação do contrato verde e amarelo pela Medida Provisória nº 905/2019, com término de vigência em 18 de agosto de 2020; e d) regulamentação de medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19 pela Medida Provisória nº 927/2020, com término de vigência em 19 de julho de 2020.

Esses novos cenários demonstram que as relações trabalhistas vêm sendo paulatinamente flexibilizadas, de maneira tópica, em resposta a circunstâncias econômicas específicas, sem, contudo, permitir um amadurecimento mais amplo, no sentido de preservação de conquistas históricas dos trabalhadores.

É certo que há algumas leis que pontualmente buscam preservar certas categorias profissionais contra a automação de maneira mais radical, simplesmente interditando a substituição do trabalhador pela máquina, como é o caso da Lei 9.956/2000, que veda o autosserviço nas bombas de postos de combustíveis.[24] Argumentou-se à época tanto pela necessidade de manter o emprego dos frentistas, como pelo alegado risco no uso das bombas de combustíveis pelo próprio consumidor, embora o autosserviço já fosse uma prática disseminada nos EUA e em vários países europeus àquela altura. Há ainda algumas leis estaduais que proíbem o uso de catracas eletrônicas nos ônibus, impossibilitando a dispensa de cobradores, a atrair a crítica de que as passagens de ônibus poderiam ser barateadas com a automação. É patente, contudo, que essa modalidade específica de proteção legal em face da automação (que, na prática, a inviabiliza) não pode ser estendida a todas as categorias profissionais, sob pena de gerar perda de competitividade no concerto das nações e risco de desindustrialização, dentre outros prejuízos. Cumpre, pois, efetivamente regulamentar o direito social à proteção em face da automação previsto no art. 7º, XXVII, da CF/88 de forma ampla e adequada.

A fim de que seja declarada a omissão inconstitucional do legislador em cumprir o dever de editar a lei exigida no art. 7º, XXVII, da CF/88 ― que já dura quase 35 anos ―, e de que seja fixado pelo STF prazo razoável para que o Congresso Nacional supra a mora legislativa, foi proposta pelo Procurador-Geral da República em 2022 a ADO 73, atualmente pendente de decisão do STF.

Embora seja uma norma constitucional de eficácia limitada[25], o direito à “proteção em face da automação, na forma da lei” (art. 7º, XXVII) não é de todo destituído de eficácia imediata. Além de impor, desde logo, um dever de legislar ao Estado, que deve ser satisfeito, é possível reconhecer-lhe uma eficácia interpretativa e conformadora enquanto não sobrevier a sua regulamentação em lei.

Essa eficácia interpretativa e conformadora da norma constante do art. 7º, XXVII, da CF/88 reclama uma interpretação sistemática com o princípio reitor da ordem econômica da “busca do pleno emprego” plasmado no art. 170, VIII, da CF/88[26] e com o princípio constitucional implícito da função social da empresa, inferido a partir de vários dispositivos constitucionais (art. 170, III, art. 5º, XXIII, art. 1º e art. 3º, dentre outros).

A interpretação conjugada dessas normas constitucionais deve levar em consideração a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Diante da eficácia vertical e diagonal dos direitos fundamentais envolvidos, é possível extrair um dever estatal (eficácia vertical) e um dever dos empregadores (eficácia diagonal) de proteger os empregados em face da automação e de fomentar a empregabilidade dos trabalhadores.

O desenvolvimento de uma política direcionada aos sistemas formais de ensino, desde a educação de base, a pesquisa até a formação profissional quanto ao conhecimento exigido pela manufatura avançada é medida que se impõe, mormente nos países com distorções na distribuição de renda, onde parte considerável da população nem sequer tem acesso à rede mundial de computadores. Incumbe ao Estado renovar a matriz curricular das escolas e universidades públicas a fim de estimular o desenvolvimento de competências e o pensamento crítico sobre matérias como matemática, tecnologia da informação, novas mídias, ciência cognitiva industrial (“industrial cognitive science”), dentre outras.[27]

É imprescindível que haja uma ampla qualificação da força de trabalho das nações em desenvolvimento, a fim de que possam concorrer em grau de equilíbrio relativamente semelhante a nações mais desenvolvidas, que, à semelhança do que aconteceu na Primeira Revolução Industrial, tendem a colher em primeiro lugar os frutos da Revolução 4.0, aprofundando as desigualdades socioeconômicas em relação às nações em desenvolvimento.

Pesquisa recente (RODRIGUES, 2022) evidenciou que, em 2021, 18% dos lares brasileiros não tiveram acesso à internet[28], escancarando a existência de um grande abismo digital entre as castas sociais nacionais, em que jovens e crianças precisaram abandonar as escolas em busca de subempregos, que possibilitassem, ainda que minimamente, a subsistência própria e de seus familiares (RAMIRES, 2022), realidade potencializada com a pandemia de Covid-19, período em que a evasão escolar aumentou 171% em relação à consulta realizada em 2019, conforme relatório da organização Todos pela Educação.[29]

Os estudos sinalizam que os efeitos da Indústria 4.0 beneficiarão, como de fato já ocorre, inicialmente os países com maior grau de desenvolvimento digital, localizados sobremaneira no norte do continente americano, na Europa ocidental e no sudeste asiático.

A segunda onda alcançará os países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, que precisará avançar rapidamente para obter um grau de competitividade produtiva e tecnológica razoável, sob pena de ser padecer de severa desindustrialização e retrocesso socioeconômico, com distante possibilidade de concorrência na nova ordem internacional estabelecida.

Diferentemente da realidade já posta nos países desenvolvidos, as nações latino-americanas ainda estão distantes de uma implementação mais robusta da Indústria 4.0. No Brasil, o uso digital mais comum ainda se refere ao consumo e ao entretenimento, atividades que dispensam alto grau de conectividade, de dados a serem processados, tratados e armazenados, de computação em nuvem e de internet das coisas, pressupostos essenciais à capacitação junto à Indústria 4.0, presentes nas ferramentas de automação e de controle de processos produtivos (GIMENEZ; SANTOS, 2021).

As capacitações a serem empreendidas concernem não somente a aspectos tecnológicos, mas também a predicados comportamentais, ainda não reproduzíveis pelas máquinas dotadas de inteligência artificial, isto é, que exijam maior habilidade cognitiva, em que a mente humana seja imprescindível, tais como maleabilidade, criatividade, resiliência e liderança colaborativa.[30]

Ademais, propõem-se algumas medidas para fins de regulamentação do dispositivo constitucional que apregoa a proteção trabalhista em face da automação, tais como: a dispensa decorrente da automação deveria ser precedida de negociação coletiva da categoria[31], à semelhança do previsto na Convenção nº 158 da Convenção Internacional da Organização do Trabalho-OIT, além de tipificada como sem justa causa, incidindo, pois, os rigores da lei quanto à imposição de multa, ou passível de anulação[32], com a consequente reintegração no emprego, a depender do caso; e a implementação de programa de capacitação profissional pública, nos termos dos arts. 214, V, 218 e 219, da CF/88, que preveem a promoção e o incentivo, pelo Estado, do desenvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação tecnológicas, como meio de garantir o bem público e o progresso científico.[33]

Caso a qualificação seja realizada pelo ente privado, poderia se pensar em política pública de fomento, como concessão de benefícios fiscais e/ou de financiamento em direção à categoria profissional a ser instruída.

A evolução tecnológica não se resumirá a aspectos relativos às relações de produção e de trabalho, mas também repercutirá nos valores humanos, em aspectos comportamentais e relacionais, por meio da massiva participação da realidade virtual, por meio do uso de smartphones, de plataformas digitais e do direcionamento de escolha dos novos produtos e serviços. (COELHO, 2016).

A Confederação Nacional da Indústria-CNI contribuiu com o tema por meio da apresentação de algumas propostas, entre as quais destacamos a criação de expedientes de indução das tecnologias da Indústria 4.0, o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e da sua infraestrutura, a fixação de marcos regulatórios claros e objetivos, e a capacitação dos trabalhadores. (GOMES; OLIVEIRA; FRIAS JÚNIOR; VERMULM, 2016).

Wike e Stokes (2020, p. 5) pontuam que a responsabilidade há de ser compartilhada entre governos, centros de estudo, empresas e os próprios trabalhadores inseridos na realidade digital moderna, de modo que o processo de qualificação seja franqueado de forma ampla e irrestrita.

No estado do Ceará, percebe-se uma movimentação compartilhada entre o poder público e a esfera privada, tímida e lenta, porém existente. A título de exemplo, menciona-se a Escola Ismael Pordeus, pertencente ao município de Fortaleza/CE, inaugurada em 1990 e requalificada em agosto de 2022, sendo contemplada com um amplo laboratório de informática, em parceria com o Programa Google Partner, que possibilita treinamentos gratuitos aos alunos da rede pública de ensino[34].

Outra amostra foi relatada em recente reunião mantida entre reitores de universidades públicas e privadas, com o intuito de construírem parques tecnológicos no estado do Ceará, fortalecendo o ambiente universitário de ensino, pesquisa e extensão. (TOSI, 2022)

Outro exemplo promissor é o Hub de Inovação Banco do Nordeste-Hubine[35], concebido em dezembro de 2017 com a missão de criar um ecossistema regional de inovação, capaz de fomentar o empreendedorismo disruptivo, impactando positivamente as empresas da região.

A título de exemplo, o BNB operacionaliza o Fundo Constitucional de Financiamento à Inovação (FNE-Inovação[36]), voltado especificamente aos projetos tecnológicos de empreendimentos atendidos em sua área de atuação, com valor programado, para o ano de 2022, da ordem aproximada de meio bilhão de reais.

Ademais, em 2020, concebeu o FNE-Startup[37], primeiro programa de financiamento bancário do segmento na América Latina, em que microempresas e empresas de pequeno porte podem financiar operações de até duzentos mil reais, para aquisição de bens de capital, pagamento de folha salarial, composição de capital de giro, realização de capacitações e demais itens necessários à viabilização do projeto de inovação.

Seguindo essa trilha de investimentos dirigidos ao mercado tecnológico, em junho de 2022, o BNB criou o FNE-Agro Conectado[38], com o escopo de incrementar a conectividade de miniprodutores, associações e cooperativas do meio rural, por meio do financiamento de equipamentos e de infraestrutura hábeis à incorporação de novas tecnologias de informação, de comunicação e de gestão.

Considerações finais

A Revolução Industrial 4.0 traz consigo uma miríade de possibilidades, traduzíveis em novos riscos e benefícios. Dentre os riscos, assomam potenciais violações aos direitos de privacidade e de proteção de dados pessoais, bem como o desemprego tecnológico.

Sob um primeiro olhar, a revolução tecnológica é vista como algo que trará prosperidade por meio do aumento da produção, da redução dos preços e consequente redução do custo de vida. No entanto, percepção mais atenta evidencia que a automação poderá gerar desemprego e consequente diminuição do poder de compra, comprometendo o desenvolvimento sustentável almejado pelos idealizadores da Indústria 4.0, se não for acompanhada de políticas laborais adequadas.

Em todas as revoluções industriais, a mão de obra sempre foi impactada de forma severa, precisando amoldar-se às inovações tecnológicas, desde a máquina a vapor, à eletricidade, à computação e à inteligência artificial.

É possível antever o surgimento de uma postura tecnofóbica ou neoluddita[39] por alguns segmentos da classe trabalhadora, inconformados com a perda de empregos para os robôs inteligentes. Contudo, a evolução tecnológica no mercado globalizado é inevitável e essencial ao desenvolvimento econômico, não devendo ser obstada, mas ser acompanhada de regulação estatal hábil a conciliar os anseios de otimização mercadológica trazidos pela automação com a reorganização do trabalho, preservando as conquistas relativas às condições de trabalho e evitando sua precarização, nos termos do art. 1º, IV, da CF/88.

Para fazer face ao desemprego tecnológico, alguns autores propõem a adoção de um programa de renda básica universal (Universal Basic Income - UBI). Martin Ford (2015, p. 257) defende que um programa de garantia de renda básica é o meio mais eficaz de lidar com o desemprego tecnológico. Harari (2017) prevê que até 2050 viveremos no mundo do pós-trabalho (“post-work world”), no qual emergirá uma nova classe social: a dos inúteis, ou seja, indivíduos não apenas desempregados, mas “inempregáveis”. Para alimentar e manter a sanidade mental desse enorme contingente de pessoas, advoga a aplicação de algum esquema de renda básica universal, que lhes permitiria ocupar seu tempo com jogos de realidade virtual, por exemplo, e encontrar sentido em suas vidas.[40]

É claro, porém, que esse não é o cenário mais desejável, uma vez que o trabalho dignifica o homem e proporciona autorrealização, senso de propósito, desenvolvimento das potencialidades, benefícios incontáveis para todo o tecido social, etc. Não é sem razão que a CF/88 entronizou no art. 170, VIII, da CF/88 a “busca do pleno emprego” como princípio diretor da ordem econômica. Portanto, embora o recurso a algum programa estatal de renda básica universal não deva ser descartado como forma de enfrentar o desemprego tecnológico, a busca da plena empregabilidade deve ser sempre a meta prioritária.

Para tanto, é necessário o desenvolvimento de estratégias capazes de adaptar os trabalhadores ao avanço tecnológico e, assim, promover uma harmonia entre a evolução pessoal/profissional e o cenário disruptivo em formação.

Compete, pois, ao Estado um papel de grande relevo na mitigação dos riscos e prejuízos ensejados pela Revolução 4.0, seja como prestador digital de serviços públicos (“Governo Digital”), seja como fomentador de ecossistemas de inovação, seja como agente regulador da nova ordem econômica emergente, seja como formulador de políticas públicas de qualificação laboral. Todavia, o Estado (primeiro setor) deve atuar de maneira articulada com os demais setores da sociedade (mercado, ONGs, OSCIPs, etc.) a fim de que tal responsabilidade seja compartilhada, designadamente no que respeita à elaboração e execução de políticas de capacitação de trabalhadores.

Para o Estado e para as empresas há uma verdadeira obrigação constitucional de promover essa qualificação, extraível a partir da eficácia do direito fundamental à proteção em face da automação (art. 7º, XXVII), dos princípios da “busca do pleno emprego” (art. 170, VIII) e da função social da empresa, deduzido a partir de vários dispositivos constitucionais (art. 170, III, art. 5º, XXIII, art. 1º e art. 3º, dentre outros), bem como do disposto nos arts. 214, V, 218 e 219, da CF/88. Apesar de ser norma constitucional de eficácia limitada, dependente de regulamentação legal, a obrigação de proteção em face da automação possui uma eficácia imediata mínima, de natureza interpretativa e conformadora, capaz de impor desde logo (antes mesmo da edição da lei regulamentadora), numa interpretação sistemática com as normas constitucionais mencionadas, ao Estado (eficácia vertical dos direitos fundamentais) e aos empregadores (eficácia diagonal dos direitos fundamentais) o dever de proteção dos empregados em face da automação e de fomento à empregabilidade dos trabalhadores, designadamente por meio de políticas de capacitação. De feito, a melhor maneira de proteger os trabalhadores em face da automação é qualificá-los permanentemente.

As políticas públicas devem adotar medidas hábeis ao preparo dos trabalhadores (educação de base, inserção de disciplinas com foco em educação financeira, habilidade digital, programação, além de disciplinas que visem ao desenvolvimento psíquico e cognitivo) e ao suporte empresarial, mediante concessão de benefícios fiscais e/ou financiamento, se necessário.

Ademais, propõe-se que, ao sair da inércia[41] e regulamentar o direito de proteção em face da automação (art. 7º, XXVII), o legislador disponha que a dispensa decorrente da automação seja condicionada à prévia negociação coletiva com a categoria, sob pena de ser anulada ou havida como sem justa causa.

O progresso tecnológico e o incremento da automação têm sido vistos (e propagandeados) como meios para que o ser humano pudesse desfrutar de mais tempo livre do trabalho. Paradoxalmente, contudo, apesar do inaudito progresso tecnológico e da expansão sem precedentes da automação nos últimos anos, a jornada de trabalho aumentou sobremaneira, pervadindo finais de semana e outros períodos de descanso por meio de gadgets e plataformas digitais que frequentemente acarretam a hiperconexão do trabalhador. Vivemos na “sociedade do cansaço” e do burnout, tão bem retratada por Byung-Chul Han (2017), na qual as pessoas se tornam escravas do trabalho e de si mesmas, num frenesi produtivista que conduz ao esgotamento físico e mental, e, por vezes, até à morte. Embora a tecnologia e a automação possam efetivamente assegurar mais tempo livre ao trabalhador, a forma como a sociedade contemporânea está organizada frustra a realização dessa promessa. Propõe-se, portanto, à guisa de conclusão, que o próprio papel do trabalho na sociedade atual seja repensado e ressignificado.

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Submetido em: 21 jan. 2023.

Aceito em: 2 jun. 2023.



[1] Impende observar que, a despeito da mudança de nomenclatura no Brasil, seguindo a terminologia da OCDE, em alguns países não se costuma diferenciar “electronic government” (e-gov) de “digital government”, de modo que a expressão “electronic government” noutros países pode compreender o que no Brasil se denomina de “Governo Digital”.

[2] Essa evolução do “electronic government” para o “digital government” é bem versada em relatório mais recente da OCDE: “From e-government to digital government. [...] E-government aimed at bringing greater sectoral efficiencies through the adoption of digital technologies, making existing procedures and public services more cost and time-effective. Governments embraced digital technologies with a view to improving public services, but their approach often lacked coherence and sustainability across different sectors and levels, which is vital to creating synergies for integrated, seamless and proactive service delivery. Digital government represents an evolution from e-government. It aims to help the public sector shift from an efficiency-oriented approach to digital technologies towards more open, collaborative and innovative government [...]. Sound digital government policies enable public sector organisations to embrace the strategic use of digital and data to achieve user-driven and proactive public service delivery. Governments worldwide are being challenged to adapt, manage and embrace the paradigm shift brought about by the digital transformation, and can no longer afford to separate efficiency from other societal policy objectives in the governing and managing of digital technologies.” (OECD, 2020)

[3] “Do Governo Digital. Art. 14. A prestação digital dos serviços públicos deverá ocorrer por meio de tecnologias de amplo acesso pela população, inclusive pela de baixa renda ou residente em áreas rurais e isoladas, sem prejuízo do direito do cidadão a atendimento presencial. Parágrafo único. O acesso à prestação digital dos serviços públicos será realizado, preferencialmente, por meio do autosserviço.”

[4] “Nos países mais desenvolvidos, as encomendas tecnológicas são utilizadas como ferramentas para suprir diversas demandas públicas de alta complexidade, urgente necessidade ou grande impacto social. Nos EUA, são realizadas desde há muito, estando atualmente disciplinadas na parte 35 do Federal Acquisition Regulation (FAR). Inspirada na experiência de sucesso dos EUA e do Japão, a União Europeia, desde o Comunicado da Comissão Europeia de 2007 (799 final), passou a atribuir maior relevância às encomendas tecnológicas e a fomentá-las, até mesmo para não ficar defasada diante desses seus grandes parceiros comerciais. As encomendas tecnológicas continuam cobrando relevo na União Europeia, sendo atualmente um dos pilares das suas políticas estratégicas de crescimento e competitividade.” (FERNANDES; COUTINHO, 2021, p. 63)

[5] “Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público, poderão contratar diretamente ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)”

[6] “Nowadays the word ‘Luddite’ indicates a stubborn opposition to the adoption and diffusion of technological advances. Most often the word is used in a pejorative sense and conveys the idea of both a thoughtless and desperate action. The common use of the word seems to evoke a compelling historical lesson. Attempts to stop or delay the diffusion of new technologies are both ill-conceived and ineffective. These attempts are deemed to focus on the wrong target (‘the machine’), which is unduly seen as a vehicle of economic distress, instead of pointing to the necessary economic and social adaptations that can minimize the negative social and economic by-products of technological progress.” (NUVOLARI, 2002).

[7] “We now come to the last and most complex problem: how effective was machine-breaking ? It is, I think, fair to claim that collective bargaining by riot was at least as effective as any other means of bringing trade union pressure, and probably more effective than any other means available before the era of national trade unions to such groups as weavers, seamen and coal-miners.” (HOBSBAWM, 1952, p. 66)

[8]A ameaça de disrupção já paira sobre trabalho e emprego. Campos que dependem do texto, como o jornalismo, poderão ser largamente modificados — e vagas poderão sumir para sempre. A competência do ChatGPT em gerar códigos também já provoca questionamentos em um setor relativamente novo, a programação. Mas uma das áreas que vem percebendo desde já o potencial de problemas do ChatGPT é justamente uma das mais afetadas pela chegada de novas tecnologias: a educação. A tentação entre estudantes de usar o programa para encontrar respostas prontas para suas tarefas levou Nova York a tomar uma decisão rápida: apenas um mês após sua estreia, o sistema foi proibido nas escolas e dispositivos da rede pública da cidade americana.” (SUZUKI, 2023)

[9] Relatório “The Future of Jobs 2020” mostra quais são as habilidades do profissional do futuro. Infor Channel, 2021. Disponível em: https://inforchannel.com.br/2021/08/02/relatorio-the-future-of-jobs-2020-mostra-quais-sao-as-habilidades-do-profissional-do-futuro/. Acesso em: 18 out. 2022.

[10] A experiência evidencia a inutilidade da resistência às inovações tecnológicas, pois é típico do capitalismo o processo de “destruição criativa”: “The opening up of new markets, foreign or domestic, and the organizational development from the craft shop and factory to such concerns as U.S. Steel illustrate the same process of industrial mutation—if I may use that biological term—that incessantly revolutionizes the economic structure from within, incessantly destroying the old one, incessantly creating a new one. This process of Creative Destruction is the essential fact about capitalism.” (SCHUMPETER, 2006, p. 83). Numa economia globalizada, o país que não se adaptar será logo sobrepujado pelos que mais rapidamente se amoldarem às inovações tecnológicas.

[11] Desemprego. IBGE, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em: 18 dez. 2022.

[12] “Factors that will determine the pace and extent of automation include the ongoing development of technological capabilities, the cost of technology, competition with labor including skills and supply and demand dynamics, performance benefits including and beyond labor cost savings, and social and regulatory acceptance. Our scenarios suggest that half of today’s work activities could be automated by 2055, but this could happen up to 20 years earlier or later depending on various factors, in addition to other economic conditions.” (MANYIKA et al, 2017, online)

[13] Robôs na advocacia: fim do emprego para advogados? Startse, 2019. Disponível em: https://www.startse.com/artigos/robos-na-advocacia-fim-do-emprego-para-advogados/. Acesso em: 16 dez. 2022.

[14] Company Summary. Getjus, 2022. Disponível em: https://gust.com/companies/getjus. Acesso em: 13 dez. 2022.

[15] About. Jurimetric, 2022. Disponível em: https://jurimetric.com.br. Acesso em: 13 dez. 2022.

[16] « Article L111-13. [...] Les données d'identité des magistrats et des membres du greffe ne peuvent faire l'objet d'une réutilisation ayant pour objet ou pour effet d'évaluer, d'analyser, de comparer ou de prédire leurs pratiques professionnelles réelles ou supposées. La violation de cette interdiction est punie des peines prévues aux articles 226-18, 226-24 et 226-31 du code pénal, sans préjudice des mesures et sanctions prévues par la loi n° 78-17 du 6 janvier 1978 relative à l'informatique, aux fichiers et aux libertés. » (LEGIFRANCE, 2019)

[17] “[...] Le législateur a entendu éviter qu’une telle réutilisation permette, par des traitements de données à caractère personnel, de réaliser un profilage des professionnels de justice à partir des décisions rendues, pouvant conduire à des pressions ou des stratégies de choix de juridiction de nature à altérer le fonctionnement de la justice.” (CONSEIL CONSTITUTIONNEL, 2019, online).

[18] “Art. 1º Fica vedado o recebimento e a distribuição de casos novos em meio físico em todos os tribunais, à exceção do Supremo Tribunal Federal, a partir de 1º de março de 2022. § 1º Será excepcionalmente admitido o recebimento de casos novos em meio físico, em razão de ocasional impossibilidade técnica eventual ou urgência comprovada que o exija. § 2º Os processos físicos recebidos na forma do parágrafo anterior deverão ser digitalizados e convertidos em eletrônicos no prazo máximo de dois meses.”

[19] “And emerging technology permits far greater privacy intrusions. For instance, some employers already have badges that track and monitor workers’ movements and conversations. Japanese employers use technology to monitor workers’ eyelid movements and lower the room temperature if the system identifies signs of drowsiness. Another company implanted radio-frequency identification (RFID) chips into the arms of employee ‘volunteers.’ The purpose was to make it easier for workers to open doors, log in to their computers, and purchase items from a break room. But a person with an RFID implant can be tracked 24 hours a day. Also, RFID chips are susceptible to unauthorized access or ‘skimming’ by thieves who are merely physically close to the chip.” HIRSCH (2022, online)

[20] “32M insists that its chipping program is entirely optional, but the line between voluntary and obligatory is blurry when it comes to the power imbalance inherent in employee-employer relationships. As we’ve seen in the rollout of bring-your-own-device programs, employers have offered employees the supposed benefit of using their own phones and computers for work in exchange for comprehensive monitoring rights. A similar dynamic exists in employer wellness programs. Employees who refuse to participate in a program not only face the stigma of being marked as not being a team player, but they also could end up paying more for their health insurance.” (JEROME, 2017, online).

[21] “As we move toward a world where ‘chipping in’ could become part of getting a job, employers, companies and policymakers need to ask and attempt to answer these questions. Employee voices also need to be heard. Certainly, some workers are excited ‘to be part of the future,’ but care should be taken to ensure technology is not used as a tool to exacerbate power imbalances in the workplace.” (JEROME, 2017, online).

[22] “O art. 7º, inc. XXVII, da Constituição não estipula como direito do trabalhador proteção contra ‘inovações tecnológicas’, mas sim ‘em face da automação’, conceitos diferentes. Na automação substitui-se o trabalho humano pelo de máquinas. A inovação tecnológica está relacionada a mudanças na tecnologia, não havendo necessariamente a substituição do homem por máquina. Portanto, o Impetrante não apresenta a condição jurídica de pessoa cujo direito esteja inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora de direito constitucionalmente assegurado.”

[23] PL 4035/2019 (Senador Paulo Paim), PLS 26/1994 (Senador Albano Franco), PLS 17/1991 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PLS 74/1990 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PL 1091/2019 (Deputado Wolney Queiroz), PL 2611/2000 (Deputado Freire Júnior), PL 1366/1999 (Deputado Paulo Paim), PL 34/1999 (Deputado Paulo Rocha), PL 3053/1997 (Deputado Milton Mendes), PL 325/1991 (Deputado Nelson Proença), PL 790/1991 (Deputado Freire Júnior), PL 2313/1991 (Deputado Luiz Soyer), PL 4691/1990 (Deputado Gandi Jamil), PL 6101/1990 (Deputado Jose Carlos Saboia), PL 4195/1989 (Deputado Nelton Friedrich), PL 2867/1989 (Deputado Costa Ferreira) e PL 2151/1989 (Deputada Cristina Tavares).

[24] “Art. 1o Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional.”

[25] José Afonso da Silva (2004, p. 148) classifica-a, dentro da categoria das normas de eficácia limitada, como norma programática vinculada ao princípio da legalidade.

[26] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VIII - busca do pleno emprego;”

[27] “In order to be able to meet the above-mentioned standards set for Industry 4.0, future employees must learn new key qualifications, but the educational system must also be adapted to these new framework conditions. There was agreement at the World Economic Forum 2016, for instance, that both schools and universities ‘should not teach the world as it was, but as it will be’. New qualification strategies for individual countries are thus needed. They must encourage students’ interest in subjects such as mathematics, information technology, science and technology when they are still in school, and teachers with digital competence must teach students how to think critically when using new media and help them to achieve a fundamental grasp of new digital and information devices.” (WISSKIRCHEN et al, 2017, p. 24).

[28] Em 2021, 82% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet. Agência Brasil, 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-06/em-2021-82-dos-domicilios-brasileiros-tinham-acesso-internet. Acesso em: 11 nov. 2022.

[29] Evasão escolar de crianças e adolescente aumenta 171% na pandemia, diz estudo. G1, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/12/02/evasao-escolar-de-criancas-e-adolescente-aumenta-171percent-na-pandemia-diz-estudo.ghtml. Acesso em: 11 dez. 2022.

[30] “Furthermore, increased use should be made of the design thinking method in order to encourage creative minds already at schools and universities. This method designates an integrated degree programme during which creative work at a company is accompanied by degree courses. Adaptability is one of the major challenges humans’ face, yet at the same time it can be a major strong point. The next generation of employees must learn to adapt quickly to the technical, social and digital change, because it is to be expected that even a ‘fifth industrial revolution’ will not be long in coming. Lifelong learning is the buzzword that applies not only to fully automated robots, but also to human beings! If an employee’s field of work is automated, the employee must be able to reposition or to distance himself or herself from the machine by individual skills.” (WISSKIRCHEN et al, 2017, p. 24).

[31] Tanto o PL 1091/2019, como o PL 4035/2019 exigem prévia negociação coletiva: “Art. 2º. A adoção ou implantação da automação, conforme definida nesta Lei, será obrigatoriamente precedida de negociação coletiva com o sindicato representativo da categoria profissional.” (PL 1091/2019). “Art. 2º As pessoas naturais ou jurídicas e entes despersonalizados, que adotem programa de automação de sua cadeia de produção de bens e serviços somente poderão dispensar trabalhadores mediante prévia negociação coletiva e adoção de medidas para reduzir os impactos negativos da implantação do programa.” (PL 4035/2019).

[32] O PL 4035/2019 prevê a anulabilidade da demissão nesse caso: “Art. 2º [...] § 3º É anulável a ruptura contratual decorrente de processo de automação, quando descumprido o disposto nesta Lei.” Já o PL 1091/2019 comina sanção de nulidade de pleno direito dos “atos jurídicos tendentes à automação” e da ruptura contratual em si: “Art. 2º [...] §1º. Em caso de inexistência de negociação coletiva prévia serão nulos, de pleno direito, os atos jurídicos tendentes à automação, cabendo reparação por perdas e danos, no que couber, aos trabalhadores prejudicados. [...] Art. 10. É nula a ruptura contratual decorrente de processo de automação, quando descumprido o disposto nesta Lei.”

[33] “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela EC nº 59, de 2009) [...] V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.” “Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. (Redação dada pela EC nº 85, de 2015) § 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. (Redação dada pela EC nº 85, de 2015) [...] Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (Incluído pela EC nº 85, de 2015)”

 

[34] Prefeitura entrega escola requalificada no Jardim das Oliveiras. Prefeitura de Fortaleza, 2022. Disponível em: https://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/prefeitura-entrega-escola-requalificada-no-jardim-das-oliveiras. Acesso em: 21 dez. 2022.

[35] Hub de Inovação. Banco do Nordeste, 2022. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/hub-de-inovacao. Acesso em: 21 dez. 2022.

[36] Fne Inovação. Banco do Nordeste, 2022. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/fne-inovacao. Acesso em: 21 dez. 2022.

[37] BNB lança primeira linha de crédito da América Latina para startups. ABDE, 2020. Disponível em: https://abde.org.br/bnb-lanca-primeira-linha-de-credito-da-america-latina-para-startups/#:~:text=A%20iniciativa%20tem%20como%20p%C3%BAblico,valor%20de%20R%24%2050%20mil. Acesso em: 11 set. 2022.

[38] Fne Agro Conectado. Banco do Nordeste, 2022. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/fne-agro-conectado. Acesso em: 21 dez. 2022.

[39] “The term ‘neo-Luddite’ is used nowadays disparagingly to refer to individuals who express negative opinions or concerns about technological innovations. The new Luddite is characterized as anti-progress, ignorant, phobic and perhaps even conspiracy-minded. They are assumed to be against progress because they question the need for particular innovations. Neo-Luddites are often characterized as ignorant since anyone who understands science cannot possibly have concerns about it. Their fear is assumed to flow from this ignorance and is deemed irrational and phobic. Lastly, neo-Luddites are considered more prone to so-called ‘conspiracy theories’ because they search for explanations that reveal how the production of scientific knowledge and the creation of scientific innovations are complex and interconnected. The neo-Luddite is considered by many as an aberration at best, or a social virus at worst. Anyone who questions scientific progress in our society is looked upon with suspicious and derision. Anyone who raises concerns about the risks associated with any ‘economically important’ technology like biotechnology is also subject to scrutiny. Similarly, anyone who questions the fairness or appropriateness of current conceptions of intellectual property rights is deemed anti-progressive.” (MEHTA, 2004, p. 58). Há, portanto, dentre os que contemporaneamente se autointitulam neoludditas, pessoas que se opõem aos avanços tecnológicos em geral e indivíduos que se opõem apenas às mudanças tecnológicas que consideram perigosas à sociedade.

[40] “The crucial problem isn’t creating new jobs. The crucial problem is creating new jobs that humans perform better than algorithms. Consequently, by 2050 a new class of people might emerge – the useless class. People who are not just unemployed, but unemployable. The same technology that renders humans useless might also make it feasible to feed and support the unemployable masses through some scheme of universal basic income. The real problem will then be to keep the masses occupied and content. People must engage in purposeful activities, or they go crazy. So what will the useless class do all day? One answer might be computer games. Economically redundant people might spend increasing amounts of time within 3D virtual reality worlds, which would provide them with far more excitement and emotional engagement than the ‘real world’ outside.”

[41] Desde o julgamento da ADI 3.682, em 2007, prevalece no STF o entendimento de que a mora congressual não é elidida pela mera tramitação de projetos de lei, ainda que múltiplos, sendo indispensável a efetiva edição da lei regulamentadora para sanar a omissão inconstitucional e afastar a inertia deliberandi. Na mesma linha: “[...] 2. Passados mais de trinta e três anos do advento da Constituição Federal, não houve a edição de tal lei complementar. Ademais, a inertia deliberandi pode configurar omissão passível de ser reputada inconstitucional no caso de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre projeto de lei em tramitação. Precedente: ADI nº 3.682/DF. 3. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão julgada procedente, declarando-se a omissão inconstitucional na edição da lei complementar a que se refere o art. 155, § 1º, inciso III, da Constituição Federal e estabelecendo-se o prazo de 12 (doze) meses, a contar da data da publicação da ata de julgamento do mérito, para que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas necessárias para suprir a omissão.” (ADO 67, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2022, DJe-126 29-06-2022)